Ergueu-se da cadeira e pensou: Ai é? Não consigo escrever?
Preparou uma salada de rúcula com queijo parmesão ralado e vinagre balsâmico, que colocou junto a duas fatias de salmão fumado temperadas com pimenta preta, um pouco de salsa e cebola picadas e sumo de limão. Com um esgar desafiador para consigo mesma serviu-se de dois copos generosos de sangria e bebeu-os com alguma sofreguidão, na esperança de entornar a prosa fértil sugada do seu espírito através dos efeitos do álcool. Para surpresa sua, as palavras surgiram sem dificuldade e, ao chegar ao ponto final do seu texto, a mulher olhou assustada para o copo vazio e disse-lhe
Contigo não há mais conversas. Julgas que chegas aqui, sem mais nem menos, e me arrancas aquilo que quero dizer? EU é que escrevo, não és tu!
Se não fosse capaz de entornar as palavras, ao menos que as fosse dispondo, uma a uma, morosamente. Uma prosa tecida ponto a ponto, sóbria, de passos seguros, para que não perdesse o controlo da sua própria história.
Deitou-se, fechou os olhos e, teimosa, desperdiçou o artifício fácil. A arrogância da sua preguiça. E quando se cansou de navegar através de ondas feitas do sumo cálido e morno das amoras, dos mirtilos, morangos e framboesas, adormeceu. Certa de que o sabor das bagas seria suficiente para tecer sozinha o seu manto silvestre.
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