sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Ar


Portugal é um país de escritores. E muitos estão (ainda) no anonimato, escrevendo para a gaveta, em blogs, em edições de autor, em folhas soltas de versos partilhados em tertúlias privadas, entre amigos das letras. Hoje trago um exemplo: Rosário Alves, uma amiga de coração que conheço há mais de vinte anos. Fiquem-se no voo doce deste seu poema, "Ar".


abriu-se um riso de luz no meu olhar
e era cedo
tão cedo
          tão ainda tempo de dormir
que fechei as pálpebras
devagar

sonhei com um trevo ao vento
e sete pedras da calçada
                             com pegadas de luar

de mim vi sair estrelas a comporem uma orquestra
em forma de folhas perenes penduradas num altar

nos campos o sol queimava
numa dança excessiva
                           os intervalos da existência

e antevi nos olhos jovens
a velhice a germinar

o dia vestia a noite
 num entardecer fugaz
                          e os ponteiros do relógio
perseguiam-se como loucos
como quem se quer beijar

encenei-me de dormência
num tempo de dar tempo 
                         para o tempo passar
porque o riso dos dias claros
não apaga a noite escura
                          nem o medo          
                                         de chorar

agora 

rio-me  de mim     
                       do   e s p a ç o
             e do tempo

e de nós todos que pensamos
             na importância de pensar

trago no peito todas as mágoas do mundo
    sim
e nos olhos oceanos de folhas por cair
   sim

não são perenes
    não

apenas         não tiveram tempo de
          ainda                                     saltar

mas

também trago na garganta
  as   gar ga lha das   que aprendi

no rodopiar das montanhas
              quando  d 
                            a
                             n
                                ç
                                    a
                                         m 
                                                 com o mar

que a vista do espaço é imensa

e a loucura
        é um passo
num abismo
                            inconsciente


                                                        r
                                                a
                                      o
onde aprendo a      v

(in blog de Rosário Alves, Pingos de Luar)

2 comentários:

  1. Vindo de ti...não só como amiga, mas como quem sabe da arte de escrever, é uma honra emocionante. Obrigada e muitos beijinhos doces, minha querida

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  2. Vera, eu li na Rosarinho. Comentei com ela em "privado". É um poema que nos eleva, como só a Rosarinho sabe.

    Deixo-lhe aqui um convite: junte-se a nós no sábado 25 de fev. no Campo Grande. Será um enorme prazer...
    Detalhes?
    http://olugardossentidos.blogspot.com/2012/02/blog-post.html

    Beijito
    Mel

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