quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Namoros

Vista do lado sul, num dia de chuva
Completam-se hoje sete anos desde que vim morar para o campo. A escolha de cumprir o sonho da vida bucólica tem o seu preço. Abandonar a cidade faz com que abdiquemos de uma série de consolos e de confortos, a troco de outros consolos e outros confortos. Tenho saudades dos meus amigos. De ser fácil estar com os que amo. Já não posso pegar em mim e aparecer numa exposição, num lançamento de um livro, num concerto, num jantar ou numa sala de cinema meia hora depois. A distância, a falta de transportes e a minha limitação de condução automóvel acabam por me aprisionar nesta imensa gaiola campestre. Acostumamo-nos a tudo, ou a quase tudo, e bem ou mal vamos fazendo por realizar os pequenos projectos que são para nós tão indispensáveis como respirar ou mover os braços. Às vezes o meu projecto de vida é apenas isto: sair. Há dias em que me arrependo da minha decisão. Há outros em que sou incapaz de entender como é que as pessoas aguentam viver diariamente mergulhadas no caos próprio da cidade, enfiadas no interior de um automóvel, respirando o fumo dos escapes, sobressaltando-se com a impaciência das buzinas, serpenteando entre edifícios que me sufocam. 
A insatisfação faz parte da nossa alma tecida em íntimos caprichos. 
A perfeição é uma impossibilidade.
Tenho a perfeição no regresso a casa. Ao abrir a janela do meu quarto. Ao sentir o calor da lareira, ver os cães a correr felizes, o meu filho a chegar com um saco de pinhas, de figos, de amoras...o cheiro da terra molhada em tempo de chuva, os jantares tardios com os amigos...
mas também
Tenho a perfeição no partir. Rumo ao ruído urbano, a deambular pelas ruas, pelas lojas e cafés, que me relembram que sou também um ser citadino, carente dessa pulsação acelerada, do frenesi das luzes, do atropelo das conversas, dos semáforos, dos eléctricos, dos horários apertados, do sentir-me viva entre gente que mexe. No reencontro com as coisas que perdi, torno a despertar, a sentir o sangue correndo-me nas veias. 
mas
é sempre com alívio que regresso ao meu vale, perto do mar, e torno à flor silvestre que sempre fui. Por isso talvez tenha valido a pena. 
Sete anos.
Sete anos de solidão. Uma doce solidão que ainda tem artes de me seduzir.
Cogumelos ao pé de casa, caçados numa das minhas caminhadas.

14 comentários:

  1. Adorei, Vera. Está tão realista, a tua visão! Vou partilhar, fazendo de tuas as minhas palavras, pensamentos/ imaginacão do que seria tomar essa decisão, também.

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  2. Obrigada, Joana Mimoso de Freitas (assim não ficas "anónima" :)). Um grande beijinho e votos de boas decisões na tua vida: que te sejam sempre leves...

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  3. Mais uma belíssima prosa, Verinha. Tão bonita!!!

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  4. Obrigada, Isabeloca! Tu és fantástica, super leal como leitora. Assim é muito bom partilhar estas coisas. Beijinhos!!

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  5. Adorei, Vera de Vilhena!!! Beijinhos! :-)

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  6. Adorei ler. Lembrou-me o cheiro do campo.

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  7. Joana Mimoso de Freitas7 de novembro de 2013 às 13:54

    Adorei, Vera. Está tão realista, a tua descricão. Vou partilhar, fazendo de minhas as tuas palavras. Imagino tais vantagens e desvantagens e ainda pondero muito uma potencial decisão igual à tua/ vossa. Eu, para já, continuo a preferir Lisboa. Bjs e obrigada pelo texto. Está perfeito.

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  8. E tenho mais uma coisa a acrescentar: apesar de não viver no campo, a saída de Belém para S. Pedro põe-me muitas vezes as questões que mencionas. Mas não voltava pará lá, apesar de ser visceralmente citadina. Beijos, querida, continua, a tua escrita sabe tão bem...

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  9. Paula Colaço Almeida7 de novembro de 2013 às 13:56

    São estes sentimentos contraditórios que me fazem pensar se seria capaz de trocar a cidade pelo campo...mas a verdade é que eles coexistem em qualquer das situações...

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  10. Gostei muito do texto mana Vera. Sinto o mesmo.

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  11. Perguntei-me tantas vezes, porquê, Vera?... O meu "campo mítico" já é só memória que irrompe em festa naquilo que escrevo. Arrasto os pés nos relvados de Telheiras, na terra coberta de folhagem seca, só "para te sentir bem real a cada passo... como te esperava , fielmente, há anos..." O meu Alentejo da Serra de Serpa e do meu Monte, cada vez mais longe, já não é meu, é só dos meus irmãos e sei que nunca mais lá volto!......

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  12. Pois cara Vera, não calculas (ou talvez calcules) como essas palavras poderiam ser minhas... Não são, pois saber coloca-lo no papel como tu não seria decerto capaz. Aqui, onde estou agora, embora no sub-urbano campesino, lugarejo perto-do-ver-o-mar e dos imensos couvais, continuo com saudades desse lugarejo onde fui teu vizinho. Muito mais audades tenho de voces bons, afáveis e insubstituíveis amigos.

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  13. Querido amigo,
    Estamos afastados mas tu estás sempre perto de nós, de uma maneira ou de outra. "Insubstituiveis"? Mas...tentaste substituir-nos? Tu livra-te! :-)

    Um grande abraço, Zé!

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