sexta-feira, 22 de abril de 2016

60 anos - Bodas de Diamante

1974
1972
Entre o dia real de casamento (21 de Abril de 1956) e o dia de celebração (amanhã, dia 23 de Abril de 2016), fica este post, temperado pelo espanto e orgulho de ter os meus pais com saúde, felizmente, e juntos, ainda, ao fim de 60 anos de casamento. Não é para todos. Deixo aqui um texto que há-de ser adaptado, para integrar um qualquer livro, e que escrevi há tempos em honra de ambos pois, como sabem, o mar é elemento essencial na nossa vida. Os anos passam, mas ficam as recordações mais profundas.

OS ÁLBUNS DE FOTOGRAFIAS 

Depois de folhear os álbuns de fotografias dos meus pais, os velhos e pesados álbuns de Sesimbra, recebi muito mais do que esperava. Em princípio, pretendia apenas caçar as imagens preferidas e digitalizá-las, com a ajuda do Nanã, para construir o meu próprio inventário de recordações. 
Ao fim de duas tardes de trabalho em roda dessas fotografias, cujas cores, há muito perdidas, o Nanã ia recuperando, ficou a aceitação dos meus primeiros vinte anos de vida. Não foi somente o averiguar de memórias, mas sim a confirmação do passado. Quando, num curto espaço de tempo, nos tornamos observadores da nossa própria vida, revisitando o berço, as casas, as metamorfoses do corpo, tomamos consciência do lugar que ocupamos na nossa família. Hoje, com trinta e oito anos, revejo-a com olhos adultos e sorrio: afinal, não há ali nada de dramático, injusto, errado: são apenas vidas a ganhar forma, a transformar-se. A chegada e a partida de uns, os rostos de outros (demasiados) que se retiraram para sempre − não apenas da nossa vida, mas da deles: “Olha…”, digo, às imagens que me recordam as pessoas há muito desaparecidas: os padrinhos, os eternos amigos (que afinal não eram eternos), o avô, a avó, o outro avô, a outra avó, o cão, o outro cão, a saudade. Lugares e paisagens transfigurados (irremediavelmente perdidos), barcos que já não poderão levar-nos pelas águas de tantos verões. Filha de um oficial de marinha, encontro agora o verdadeiro espaço que esse elemento ocupou na nossa família. Vejo, com uma nitidez inventada, as inúmeras viagens a dois que os meus pais iam fazendo, entre filhos. Fomos crescendo, entregues a nós próprios, desenvolvendo um instinto de sobrevivência que, em parte, se foi manifestando sob a forma de egoísmo. Sei que eu e os meus irmãos (rapazes) saímos à minha mãe nas doses generosas desse traço de carácter, mas até nessa verdade encontro perdão. Conciliei-me com as viagens frequentes que os levavam para parte incerta. Pelo menos, assim eu as encarava, sob o olhar ingénuo da minha (pouca) idade. Afinal, eram dois. Um casal. É preciso tempo para se ser apenas dois. A minha mãe sempre bonita, sonora, franca, uma fortaleza elegante. O pai, insondável, meigo, silencioso, um rochedo no mar alto. Rochedo e fortaleza. O mar outra vez. Cinco filhos. A casa sempre cheia, em movimento e caos. Ruído, gritos, modas, queixumes, risos, portas que batem com estrondo. É preciso respirar, sair. Hoje, que há muito vivo longe da sua asa e os vejo a envelhecer, resta-me a nostalgia e compreendo, finalmente: às vezes, é preciso ser egoísta. Traumas? Alguns. Contudo, nenhum de nós foi enclausurado em quartos escuros, pelo contrário, crescemos com dias solarengos e arejados, correndo pelos campos, ou navegando rumo ao azul escuro e límpido. Não raro se fecharam os olhos, muitas regras se quebraram. Caímos, chorámos, aprendemos. Fomos fortes, sempre que nos levantámos. Crescemos. Os meus pais ali, presentes, por entre os seus próprios temporais.
No segundo álbum, a infância abandona-me, até que me transformo numa mulher. Fiz as pazes com a minha ingenuidade e com os erros que se escondem por detrás das Veras que vou encontrando ao longo das páginas: intimidades e angústias que vou reconhecendo à medida que me cruzo com datas, vestidos, lugares. Afinal, eram tão poucos os anos, tão frágil a sabedoria. Namorados e amores que me acenam, mesmo sem aparecerem na fotografia, pois toda a vida que circunda aquele rectângulo de papel surge de repente, mostrando o invisível. É enternecedor assistir de perto a essa mudança desconcertante, veloz, desapiedada. Algures, por entre as fotografias, encontro o carácter fugidio do tempo. Assusto-me. À medida que avanço em direcção ao fim, concluo, com tristeza, que a vida nos foi separando e que as reportagens sempre atentas do pai se vão limitando ao casamento dos filhos, aos baptizados, ao aniversário de alguém que, em boa hora, serviu para reunir outra vez uma família que vai engordando e dispersando-se, como os ramos de uma árvore ao vento. Os momentos valiosos de cada um, que máquina nenhuma registou, são as folhas que ninguém conseguirá agarrar. Espalhámo-nos pelo país, os netos cresceram sem grandes cumplicidades entre eles. Nós, os irmãos, estamos prestes a ser avós, mal tendo ocasião de acompanhar a vida dos nossos sobrinhos. Tios, primos e sobrinhos ganharam para mim uma conotação natalícia…
É urgente que nos reunamos regularmente. Há que construir novos álbuns, prender os dias ao papel.
Fecho estes com orgulho, apesar de tudo.
Esta é a minha família. A minha vida.
(Verocas, Bracial, 14 de Abril de 08)

Beijos e abraços aos meus quatro irmãos e, em especial, aos meus queridos pais, nesta data digna de muitas celebrações.
mãe, 5 filhos e algumas visitas: a mesa tantas vezes cheia...

4 comentários:

  1. Vera, tão bom ler este texto , com a toda a transparência que o Amor desperta . Estou encantada .Beijoooooooos

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    1. Querida Mitucha! E eu encantada por ler-te aqui e encontrar-te nooos!

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  2. Tão bom ter coisas boas e pessoas boas para recordar...
    Parabéns Amiga, pela família que tem e pela escrita!

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