domingo, 14 de maio de 2017

Se um dia

Esta noite sonhei que milhões de portugueses se mantinham colados às televisões do mundo inteiro, aonde quer que vivesse um português, mas não era para ver futebol. Nem desastres. Nem eleições. Sonhei que andavam há semanas, imagine-se!, dançando ao som da mesma valsa ad libitum, enamorados por uma voz, o condão de ser pura em cada verso, cantando por todos nós, salvando-nos, como se os corações do mundo se fossem quebrar em dois, a qualquer instante, transformados em cristal, a respiração em suspenso, o braço dado - Só mais uma volta, não caias, salva-nos! -, rogando-lhe que entregasse todas as palavras aninhadas assim, na ternura das cordas, e num piano conduzindo a melodia de veludo que ninguém consegue abandonar. As salvas de palmas e os votos, neste meu sonho, foram para aquela que era a poesia cantando o amor, e o país inteiro, a Europa e o mundo, todos se rendiam, no meu sonho, à súplica de um mendigo com voz de frágil pássaro, flautista de Hämelin seduzindo e levando consigo todos aqueles capazes de amar pelos dois.
E ainda não tinha acordado, eu, quando a valsa dos irmãos, que todos unia numa prece sem Deus, avançava e subia até à dimensão da esperança, infiltrando-se, camada por camada, na pele de quem por ela se deixava adormecer, para sonhar também. E uma voz dentro de mim dizia:
-  Seria tão bom, tão bom que um dia fosse possível, a um poema simples, inteiro, sem demasias, vencer...! Ser escutado com o coração e a mente, deixando para trás o fogo de artifício, ganhando a todos, até aos de valor, a dar peso à nossa conquista...!
Na lenda que o meu sonho ia tecendo, a feiticeira criadora nunca deixava cair o duende da floresta, imerso no seu cântico enfeitiçado:
- "Cuida das palavras, meu irmão, não te distraias, não te percas no caminho, repara que despertámos as pedras e encantámos as fadas, vamos embalar o seu espanto e mostrar que é possível dizer tudo na penumbra de um beijo".
Foi então que acordei. As nossas pessoas, milhões de gente, de muitas línguas, ainda traziam os lenços e os olhos molhados, o vinho e o champanhe nos copos, as vozes roucas e o coração cheio. À luz lilás do amanhecer, pequenas gotas de orvalho eram resquícios da festa. No ar o cheiro morno da felicidade.
Despertei e fui dar de frente com um sonho acontecido.
Se um dia alguém perguntar por nós, digam que nos fomos salvar.

6 comentários:

  1. Um lindo sonho tornado realidade. Parabéns pelo texto! Abraço.

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  2. Que sonho maravilhoso! Bonita forma de o contar. Parabéns, Vera!

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    1. Muito obrigada, Domingos. :-) A culpa é deles, eu apenas reagi.

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  3. Parabéns Vera, lindo o texto, como sempre, não desiludes :)

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