quarta-feira, 28 de março de 2018

Prémio ALMA

A escritora Jacqueline Woodson, com mais de trinta obras publicadas em vários géneros, venceu ontem o prémio ALMA (Astrid Lindgren Memorial Award) 2018, o mais prestigiado galardão concedido à literatura infanto-juvenil, no valor de cerca de 500 mil euros. A justificação do júri, para a sua escolha, foi a seguinte:
“Jacqueline Woodson apresenta-nos jovens resilientes lutando em busca de um lugar onde as suas vidas possam criar raiz. Numa linguagem leve como o ar, ela conta histórias de retumbante riqueza e profundidade. Jacqueline Woodson capta uma nota poética singular, numa realidade diária repartida entre a dor e a esperança.”
Mais uma autora a conhecer. E não deixa de ser curioso que este prémio vá, frequentemente, para mulheres, ao contrário de muitos outros.
Para mais, vá aqui.
Eis a obra mais conhecida da autora, uma autobiografia.






sábado, 24 de março de 2018

Sábado

Sob o zumbido persistente das serras eléctricas, dos vizinhos cumprindo as directivas que obrigam ao corte das árvores, junto às habitações, pulverizei com anti-fungos alguns recantos da minha casa, plantada nesta terra húmida, e cuja construção, rústica e rudimentar, não está defendida como mereceria. Ao longo do inverno, e da estação das chuvas, permanece este vão combate com a humidade que penetra a construção, invadindo gavetas, armários, paredes, roupas e mármores com o seu hálito condensado, que tudo encharca.
Assisto a um documentário sobre Clint Eastwood, o qual revela facetas inacreditáveis do actor/realizador. Parto depois para a visualização de um segundo documentário, desta vez sobre o dramaturgo Arthur Miller. As janelas da casa abertas, o vento e o frio a tomarem conta do corpo, para que este não sofra os efeitos do ácido de cloro, a corroer o bolor. É Sábado, prossegue o abate das árvores, ladram os cães de todas as casas, excitados com o corropio de homens, entre os eucaliptos e os pinheiros. O meu marido dá uma última passagem aos temas mais clássicos da música ligeira portuguesa, revestidos de jazz, para o concerto de hoje, em Évora.
Dizem-nos que o terreno defronte à nossa casa "é de gente muito antiga", ninguém sabe dizer ao certo quem, e é o que nos salva. Até ver, seja quem for tem ignorado as instruções de abate, em prol da prevenção de novos incêndios que, no ano passado, deixaram o País mergulhado num inferno.  Se a tal gente muito antiga der prova de vida, em breve a janela do meu quarto deixará de ser assim. Sinais dos tempos. A segurança à frente dos meus caprichos.


quarta-feira, 21 de março de 2018

Ninguém via


Chegavam-me histórias sobre a perfeição de nós. Perfeitos enquanto dois. Completam-se, gostavam de dizer, com a certeza dos loucos, como se espiassem os dois corações, a editar-nos o pensamento, a pôr nas nossas mãos uma história ainda a cheirar a tinta, a alterar todos os pontos finais e reticências, cada momento que não vivemos juntos, compondo uma qualquer vida que não era a nossa. Sem nada saberem, rasuravam, mesmo assim, para que fôssemos perfeitos, a dor escrita em maiúsculas, no topo da página, invisível, de tão evidente. O tempo ia moldando a crença dos cegos, com o seu dom de persuadir, tantos anos lado a lado, só podem ser felizes, diziam. Ninguém via, no rasto das tuas mentiras, nos bastidores do meu sorriso, tudo o que lhes servia de sustentação. E por sustento eu tinha pouco mais que o suficiente para não morrer à míngua de gestos que lembrassem, vagamente, a felicidade que devíamos sentir. E cada migalha era uma refeição inteira, um manjar aproveitado até à última partícula, e muita água, para matar a sede e criar a ilusão de um amor cumprido. Só para que não estivessem tão errados, ninguém deveria ter tão pouca razão.

Dedico este texto à P.S. Que o fim lhe seja Recomeço.

sexta-feira, 16 de março de 2018

Caminandes

Bom fim de semana, fiquem-se com uma das animações 3D maravilhosas, de Pablo Vasquez. Todos os filmes são passados na Patagónia, um lugar exótico, feito de incríveis contrastes. Este jovem artista, nascido na Argentina, em Gallegos, tornou-se profissional na Holanda e criou, com a sua equipa, esta série de curtas metragens que mostram a vida de Koro na região patagónica. Um único episódio da série pode reunir locais emblemáticos da região, bem como a diversidade da sua flora e fauna. O protagonista destas aventuras é um guanaco (primo dos lamas, típico da América do Sul).

Para aceder ao seu canal, vão aqui.

quarta-feira, 14 de março de 2018

Stephen Hawking

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Este físico extraordinário deixou-nos hoje, aos 76 anos de idade. Diz que, quando lhe foi diagnosticada a doença, aos 23, pôs as expectativas a zero e tudo que veio depois disso foi um bónus. 

“A inteligência é a capacidade de se adaptar à mudança.”

“Ainda que não me consiga mexer e mesmo tendo de falar através de um computador, sou livre na minha mente.”

Curiosidade: hoje seria o aniversário do físico Albert Einstein. Talvez Stephen Hawking tenha escolhido esta data para ir celebrar os anos de Einstein e o Dia do Pi - que é hoje também! - com o seu colega, junto das estrelas. 

domingo, 11 de março de 2018

Filosofices XI

Se eu voltasse a ser uma criança, havia de querer fazer uma série de perguntas que na altura não me ocorreram. Agora que sou crescida, até parece mal, mas mal que pergunte...

Normal-Anormal são antónimos, isso é fácil. Então se alguém atrai é fiel, porque não trai? Se trair é o inverso se atrair, será que trai porque é repelente? 

E o contrário de corpulento será corpurápido?

E o expoente é um poente reformado? E o expoente máximo, é quando o sol já não se põe e isso é o máximo, porque há sempre sol?

E isso de nos sentirmos preenchidos nunca percebi muito bem. Pois se preencher é antes de encher, uma pessoa afirmar que se sente preenchida deveria significar que está quase farta, ou não é?

Depois há essa palavra para os negócios com roupas à mistura, só pode, porque investir é vestir por dentro, pronto, é vestir a roupa interior, e o desinvestimento é bem capaz de ser quando despimos as roupas da parte de dentro. Se bem que as roupas de fora têm de sair primeiro...deve ser para isso que inventaram os descobrimentos.

E acho que quando estamos muito porcos, e acontece tomarmos um banho e sairmos ainda um bocadinho sujos, devíamos dizer que vamos ao rebanho.

Pronto, isto era o que eu perguntava se fosse criança, mas agora sou crescida, já não dá.

Gostaram? Se quiserem mais, basta escolher a etiqueta ou palavra-chave "Filosofices", ou visitarem o meu site Gavetas e Gavetinhas

sábado, 10 de março de 2018

A casa

«Uma velha muito velha vivia numa casa escondida no coração da floresta, onde a luz mal conseguia entrar. Sobre a casa pairava um nevoeiro esverdeado com laivos de ouro, que as lanças do sol formavam ao trespassar os ramos do arvoredo, enquanto a lua não chegava com a sua túnica de prata. 

Durante o dia o silêncio era rei desse lugar. Apenas o vento se escutava, silvando, a fazer dançar o tédio dos salgueiros e a tristeza dos ciprestes. Durante a noite, porém, os ruídos surgiam, feitos de bichos alados, rasteiros e marinhos; muitas patas e antenas e dentes e pelagem coberta de imundice.

Nessas horas, em que a lua era soberana, as trevas revelavam tons argênteos. Cristais de gelo e uma poalha azul-cobalto acariciavam a folhagem, inundando a floresta de murmúrios ocultos na sedução do frio, como tímida flor nascendo, por miragem, num manto de neve.

Assim se comportava o jardim selvagem ao redor da casa da velha, escondida na floresta onde a luz mal se atrevia. Estranho comportamento esse, tão contrário às leis naturais, não fosse a floresta o cenário verdadeiro da história que aqui se revela, tal como aconteceu.»
(© VERA DE VILHENA, em construção)

quinta-feira, 8 de março de 2018

Mulher

© Nanã Sousa Dias
Abriu a torneira, despiu-se, deitou-se na água quente e fechou os olhos. Afundou o rosto, deixando que os cabelos se colassem à pele. Tomou consciência de cada poro, de cada fio de cabelo. O mundo desapareceu. O coração batia, fazendo-se escutar no silêncio da tarde, no mutismo da casa vazia. Estava sozinha, não só. Apenas a sós. A Beatriz de Chico Buarque dançava na sua memória, as notas da melodia que amava boiavam no banho, encostando-se às suas coxas, ao cotovelo, entre os dedos da mão. Em breve eles iriam voltar, trazendo o ruído e o caos, a inundar o resto das horas com perguntas e apelos, com a arrogância da sua fome, o narcisismo das suas vontades.
A água agora morna lembrou-lhe o passar do tempo. Escutou a chave na porta, os risos abafados do marido e dos filhos. Chegavam com casacos e mochilas, botas, gorros, luvas e sacos. Chegavam com muitas coisas penduradas de todos os lados: da boca palavras, das mãos objectos, dos olhos o dia, do coração a saudade.
Da cozinha, empurrados pela corrente de ar, vieram os vapores do guisado já pronto. Sobre a mesa esperavam pratos, talheres, guardanapos, copos, a cesta do pão, o jarro com água. O gato de barriga cheia enroscado na poltrona de veludo, inútil e decorativo como todos os gatos.
Abandonou o banho, interrompendo a sua paz. Vinte e três minutos bem contados.
- Chegámos! - Disseram.
- O que é o jantar?
- Mãe, posso jantar a ver o Dexter?
- Mãe, posso ir a casa da Mafalda depois?
- Mamã, dás colinho, pois dás?
- Amor, compraste-me o que te pedi?
Ela sorriu e disse que sim a todos, como se, com essa afirmativa, reafirmasse a sua vida de mulher.

segunda-feira, 5 de março de 2018

A Forma da Água

13 Nomeações e 4 Óscares, nesta 90ª edição da Academia de Hollywood. O mexicano Guillermo del Toro foi o vencedor, com as estatuetas de Melhor:
Filme, Realização, Banda Sonora Original e Cenografia.

domingo, 4 de março de 2018

O valor das palavras

Escrever palha como fazíamos nos testes do liceu, julgando enganar os professores, é péssima ideia. As palavras, além de terem o seu próprio valor, são caríssimas. O papel ocupa espaço e a sua comercialização é dispendiosa. Hoje é urgente fazer muito com pouco, sim, até na literatura, poupar tempo a quem nos lê, aumentar a possibilidade de conseguir o interesse de uma editora e, depois, dos leitores. Pode acabar até por ter várias centenas de páginas, mas que seja um grande livro, não apenas um livro grande.  Por tudo isto, convém pesar cada palavra que inclui, quanto mais não seja, a vantagem adicional de construir um texto melhor. No osso. Sem gorduras. José Cardoso Pires já dizia: "Depois da máquina de escrever, use a de apagar."

sábado, 3 de março de 2018

Petter Hollens

E eis como um tema tradicional escocês, Loch Lomond, ressurge do passado, vestido com um arranjo vocal e uma interpretação magistralmente executados pelo americano Peter Hollens, cantor, compositor, produtor e empresário, que se dedica, desde 1999, à música a capella e o qual, juntamente com Leo da Silva, fundou o grupo On the Rocks, da Universidade de Oregon, conhecido como o primeiro do género, nesta instituição. Para mais vídeos de Peter Hollens, visite o seu canal Youtube.

sexta-feira, 2 de março de 2018

Desistência

Roubei a imagem aqui
«Cúmplice, este mundo sempre acomodou gente acomodada. Mulheres que ameaçam, ao ritmo da sua raiva, Olha que eu vou-me embora, não aguento mais isto, sempre quero ver como te safas sem mim, mas ficam, vão ficando, e os anos passam e o medo cresce, à medida que o corpo se enruga e o futuro se contrai, na flacidez dos sonhos por cumprir. Não é amor, é desistência. O rancor e o azedume a invadirem o lugar da paixão. A acusação guardada em todos os silêncios, Olha bem, lembra-te da tua fome, de como eu era bela e vê agora como estou, vê o que fizeste de mim, como se ele fosse o autor de cada oportunidade desperdiçada, cada golpe sofrido nas arestas do tempo. E também ele se reforma, ciente de que o mercado da carne mais fresca tem agora uma clientela com a idade dos seus filhos, uma outra geração amadurecida, de leitura impossível, a vibrar em festivais de música estranha, lugares e tendências que são outros, o tónus muscular excitável dos miúdos, em desafio, tanta vida por viver enquanto eles, da noite para o dia, são tratados por ‘senhor’ e o riso delas é trocista ou assim parece, como quem reage, Tenha juízo, não vê que é um velho. Não, nem sempre é amor, é sentir o pulso à hora tardia num caminho sem retorno, seguro e sem abismos, persistir na desistência, menos que renúncia, a ver se iludem a solidão, Já que aguentei até aqui, não vou sair agora, fico-me com esta, que me conhece do avesso e me atura mesmo assim, já nos sabemos de cor, não há surpresas. Nem o cansaço lhes permite a presunção. Por isso ficam. Permanecem juntos como se fosse amor, a ungir a liberdade, a fingir, a fugir à trabalheira de encaixotar os tarecos, procurar casa, fazer contratos de água, luz, gás, e comprar móveis, lençóis, frigoríficos e colheres de pau. Para escapar à incerteza que habita os recomeços tardios, no anoitecer das suas vidas.» 
(em construção) 

quinta-feira, 1 de março de 2018

9 Anos

Hoje é o nono aniversário deste blogue, criado num tempo em que as redes sociais não tinham o peso de hoje. As mesmas vieram roubar, de ano para ano, muitas das nossas horas. Ainda assim, há quem teime em manter uma fidelidade exclusiva a estes recantos mais íntimos. Para não perderem a corrida, os bloggers criaram páginas oficiais ou passaram a partilhar os conteúdos no Facebook acabando, até, por aumentar o número de leitores. E se este blogue não teve ainda mais visitantes, foi apenas porque, devido aos novos hábitos que todos desenvolvemos, em especial com a rede social de Mark Zuckerberg, muitas vezes foi passado para segundo plano por esta autora que vos escreve, cujos conteúdos foram publicados diretamene no Facebook
O caminho faz-se caminhando? Nem sempre. Também é feito aos tropeços, aos saltos, até ao pé coxinho. Especializei-me nesta modalidade, ainda que raramente salte descalça como fazia na meninice, ao jogar à macaca. Por que será que deixámos de fazer macaquices e nos levamos tão a sério?
Agradeço a todos os que marcam presença nesta casa virtual, dos mais antigos aos mais recentes. Custa acreditar que, numa dimensão modesta, o blogue está a chegar às 150 mil visitas. Bem hajam, por estarem desse lado.