Quando a chuva me segura dentro de casa, agarrando-me o corpo e a vontade, fico partida em dois.
Metade de mim sente a urgência de cuidar do ninho; tirar os vincos aos trapos; recuperar a dignidade ao chão espezinhado e ao quarto desfigurado; compor os inúmeros objectos que nunca param quietos e que insistem em inventar novos lugares que não lhes ficam bem no corpo.
A outra metade atira-se à escrita, e é assim que dou por mim a repartir as horas entre uma coisa e outra. Agora que o ninho suspira, satisfeito e renovado, despacho a fome, de consciência limpa, e disponho-me a dedicar o resto do dia a uma longa narrativa que urge contar. À minha direita, atrás do cortinado florido, cor de abóbora, deslizam gotas de chuva pela vidraça e a luz parda e intermitente do céu, inchado de água, parece brincar às escondidas. Escondo-me eu também nas palavras, que escorrem em aguaceiro, numa estranha sintonia com este dia choroso de Outubro.
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