sábado, 3 de outubro de 2009

Poeira

Hoje dediquei-me à Escrita Criativa e trabalhei temas mais negros como a Morte, o Amor, a Raiva, etc. De um deles, saíu isto:
Não há como recuar nas palavras que foram ditas. Não há como continuar. Chegámos ao fim de uma estrada poeirenta e pedregosa, que nos deixou as gargantas secas, os olhos lacrimejantes, os pés doridos. À frente, a estrada prossegue, imutável no seu desconforto. Ignorámos clareiras, recantos e lagos, permitindo que os nossos corpos caíssem, inevitavelmente, sobre esse velho desvio poeirento, que nos sufoca. Para trás ficaram as ondas que soubemos compor e que, contra todas as marés, insistiam em rebentar-nos no ventre, no rosto, na vontade de sermos um. Esses murmúrios de amantes há muito se calaram, tornando-nos surdos os ouvidos, num lamentável silêncio de afectos. E a nossa beira-mar soa cada vez mais longínqua, numa memória em surdina, que se evapora e se converte em miseráveis gotas de água e sal, desvanecendo-se, por fim, até ser quase nada. Algumas aves cruzaram o nosso olhar, fazendo-nos sorrir, pois nem sempre caminhámos em estradas de pó; mas a poeira que se anunciava foi-se entranhando nas roupas, nas mãos, nas bocas, no coração, deixando-nos cegos às suas asas. Talvez a poeira assente, sim, mas o vento que não podemos ignorar irá erguê-la novamente e repetir os dias de pó que já conhecemos de cor.

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