O coordenador chegou agitado à sala da biblioteca, desgrenhado, com um atraso oficial. Os alunos iam chegando, preenchendo o número reduzido de cadeiras, a espicaçar a intimidade. Ia falar-se de poesia. As senhoras cumprimentaram-se, cúmplices, com o orgulho íntimo de quem troca as novelas e as séries de televisão pelos versos. Pouco depois, Mário de Sá-Carneiro era o ar que respirávamos, aflitos por tanta aflição. Como era possível sofrer assim, desperdiçar a vida inteira, dar-se ao luxo de tanta inquietação?
– O problema dele era não trabalhar! – Diz uma anciã – que idade é que ele tinha, 23…? Eu com 26 já trabalhava há anos e já era casada!
A sala riu, aliviada. Um banho de realidade prosaica, desarmante.
Fugimos da escuridão e da cinza para os campos verdes e as rosas nas mãos de Eugénio de Andrade. O Fernando falava num tom explicativo, como quem põe as realidades da vida no lugar certo, desfazendo-se da teimosia dos equívocos. Por entre o riso e a interrogação, as analogias com a vida mundana davam cor ao invisível, e luz à cauda dos versos que não conseguíamos decifrar, transformando-os em estrelas cadentes que nos pousavam nas mãos.
Saímos para a poesia recatada dos nossos dias, mas nos olhos andava o Domingo de Eugénio, a dizer ao mundo que o encontro fora demasiado breve.
Por fim, entendi que o Fernando não chegara agitado, era assim sempre, apaixonado, multiplicado, por se entregar a pequenas coisas por um grande amor. E eu senti-me um pouco menos pequena, engordada pelo sabor daqueles versos que depositaram dentro de mim.
Sem comentários:
Enviar um comentário