Mais uma noite, amor
"Mais uma noite, amor. Ao recordar-te
retomo os fins do mundo, a cinza, os dias
manchados de outras lágrimas. Sabias
como eu a cor das sombras, essa arte
que nos engana agora e se reparte
por esquinas e cafés. Já não me guias
os muitos passos vãos, as fantasias
da minha falsa vida. Vou deixar-te
fugindo-me. Na chuva, sem ninguém,
apenas alguns vultos, o que vem
«e dói não sei porquê» -este deserto
onde te vejo, imagem outra vez,
até de madrugada. O que me fez
sentir o muito longe aqui tão perto?"
Apócrifo pessoano
"O eu sentir quando penso
e pensar enquanto sinto
origina um labirinto
onde me perco e convenço
de que tudo é indistinto,
de que o mundo se organiza
desorganizadamente
nos recônditos da mente
como uma ideia imprecisa
que quando se pensa, sente
e quando se sente, pensa,
numa confusão total,
num processo irracional
em que se esfuma a diferença
entre o que é ou não real.
Dos meandros disso tudo
nasce apenas um desejo:
distinguir o que não vejo
e é talvez o conteúdo
deste infinito bocejo
a caminho não sei de onde,
à espera não sei de quê.
Quem me ouve? Quem me vê?
A vida não me responde
e afinal ninguém me lê."
(FERNANDO PINTO DO AMARAL)
Foi um prazer e uma honra conhecer este senhor.
Obrigada, Fernando, por olhar para quem dá os primeiros passos.
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