Apesar de viver na zona Oeste do país, o meu ninho não sofreu danos com o famoso temporal que se deu há dias, graças ao monte e aos eucaliptos e pinheiros que o protegem das intempéries. Muitos dos vizinhos, donos de estruturas, esplanadas e estufas de exterior, não tiveram a mesma sorte. O meu marido foi comprar cigarros há pouco e regressou com este conto de natal, que nos chega atrasado: ao avaliarem os estragos causados pelo ciclone, os habitantes da aldeia mais próxima, que é aberta e desabrigada, não foram trabalhar no dia seguinte. Em vez disso, trataram de repor telhas; consertar telhados de zinco e vedações; recolher mesas e cadeiras tresmalhadas; varrer vidros e disfarçar os estragos; pregar madeiras soltas. Isto poderia não ter nada de extraordinário, não fosse ter sido uma operação levada a cabo nas casas uns dos outros, pois todos ajudaram todos, como se fossem um só. Agora venham cá falar-me da morte da solidariedade entre os homens, que eu atiro-lhes com esta história. Verdadeira, graças a deus. Senti-me orgulhosa, envergonhada e só. Orgulhosa por viver há três anos junto desta gente, envergonhada por viver tão mergulhada na minha própria e minúscula vida, que só hoje soube, e só por ninguém ter pedido emprestadas as minhas mãos. Será porque a minha casa, sólida como a do porquinho Cícero, faz de mim um ser marginal? No próximo temporal, quando o sol regressar, hei-de ir ao café, esgravatar a vida dos outros, a perguntar se alguém precisa de ajuda. Até porque a solidez da minha casa não é eterna, mas a solidão pode ser.
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