terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Ócio, Thoreau e Miss Potter

Quatro dias sem sair de casa. Roçando ao de leve os trapos, a loiça, as refeições, o pó. O resto tem sido ócio, escrita e leituras.
O corpo amuou e deu-me a chuva e o frio como desculpa, para se entregar à preguiça. Dias de ócio, confesso, a preparar o fôlego para o ano novo. Depois do pequeno-almoço, deito-me no sofá com uma chávena de café bem quente e um bombom “Rafaello”, os cães aos meus pés, a chuva a cair lá fora e, nas mãos, “Walden ou a Vida nos Bosques”.

Thoreau compreende-me bem, adivinhando-me a alma que, pedindo tão pouco, pede demasiado. O mundo exige que lutemos por mais coisas que não estas que tenho: é urgente possuir um carro melhor, mais dinheiro na conta, mais trabalho, mais móveis, mais trapos. Mas já tenho tudo o que preciso e a bênção do tempo livre, que o mundo não tem. O carro anda, esforçado, e os móveis e trapos de que disponho preenchem-me totalmente o espaço e o corpo. Desejar mais é sufocar. Prefiro respirar o arvoredo que habita à minha frente, o ruído da chuva nas vidraças, as corujas e os corvos de madrugada. À tarde acende-se a lareira com sobro e azinho, sobre o crepitar das pinhas roubadas ao leito de caruma e de folhas de eucalipto que, de tão próximas e húmidas, perfumam o ar que ofereço aos pulmões; um chá de bergamota, torradas e compotas caseiras de tomate e de pêssego. A noite chega e o ninho fecha todas as janelas, a esconder-se do frio. A árvore de natal brilha mais, com as luzinhas cor de pérola, que reflectem as esferas douradas e vermelhas. No topo, um ninho verdadeiro de um pássaro ingénuo que escolheu esta árvore para se instalar e que ali foi deixado, a fazer as vezes de estrela ou de anjo. Porque não, se os pássaros habitam os céus, como as estrelas e os anjos? Depois de um jantar tardio, agarro-me novamente a Thoreau, aconchegando-me a uma manta de quadrados. Pouso o livro de vez em quando, para espevitar o lume. O vento assobia, a chuva lança-se às janelas, sem conseguir entrar na minha cabana.


Antes de dormir, revi “Miss Potter”.

Quando adormeci, tinha ainda nos olhos as paisagens verdejantes de Sussex, na Escócia, a decoração romântica das casas, com mil pormenores irresistíveis, os lagos, as quintas cobertas de hera. Os patos, gansos, sapos, porcos, coelhos e ouriços de Beatrix pareciam desejar-me bons sonhos e eu acenei-lhes de volta, explicando que o melhor sonho era estar acordada e poder viver com tudo isto no coração.








Imagem de Henry David Thoreau, a partir de um daguerreótipo de 1839.
Imagem de Beatrix Potter roubada aqui:
http://gonnabebig.wordpress.com/2008/07/28/beatrix-potters-birthday/

4 comentários:

  1. Passo-te, na íntegra, o que coloquei, ontem no meu blogue.Não te zangues, foi uma excepção a que não resisti.
    Beijos e Bom Ano!


    Não.

    Não resisti e fui dar uma espreitadela, fugaz direi, aos vossos últimos trabalhos, (começo a considerar este tipo de actividade um trabalho; infelizmente não remunerado) quer criativos quer críticos das criações. Sem surpresa, constato que a qualidade persiste.

    Gostaria de esclarecer que este impulso - nem que a vista me doa - não me foi, nem será possível sustê-lo, impedi-lo, pois cá dentro, ao ler-vos (pecado venal à irresistível atracção de vos ler) algo me impele, a dizer, que do pouco que li, devo agradecer-vos, pela vossa recorrente lembrança, pela vossa Amizade afinal, repleta de ternura e carinho.

    Portanto, por favor, não se sintam culpados.

    É de facto Bom, muito Bom , ter Amigos como vocês, sobretudo quando nem sequer nos conhecemos pessoalmente.

    Por razões de mera Justiça, desejaria de agradecer em particular, nos seus espaços (nucleares) à Manuela, ao Jaime, (que, pelo telefone, me tem sustido nas incursões bloguistas) à Linda e à Dulce pela lembrança reiterada que me deixa sem palavras. À Vera Vilhena e NSD pela Amizade e cuidados de proximidade bem como de apoio directo e por email que têm abundantemente produzido.

    Para vosso descanso, direi que não me aventurei pelos vossos trabalhos passados reservando-os para momento mais adequado, pelo menos para quando a visão melhor me o permitir. Confirmo igualmente que estou a escrever estas linhas no Word em tamanho suficientemente grande para o ir percebendo, copiando-o depois para os vossos espaços.

    Finalmente, direi que o que de melhor desejo para todos Vós, para 2010 (e subsequentes) é o que, cada um de per si, deseje, se venha a realizar. (seja o que for)

    Para mim, se tudo o que almejo não consiga, pelo menos bastar-me-á, acreditem, o prazer de continuar a ter-vos como Amigos.

    Cá de dentro, com muita Amizade,

    Beijos e abraços do

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  2. ´Querido Zé, apesar deste teu comentário não ter nada a ver com o meu post, como já vai sendo teu hábito (risos), não posso deixar de agradecer a tua simpatia e sentir-me tocada por tanta gratidão. És uma pessoa muito generosa e sempre pronta a ajudar; alguém com quem podemos contar. Ainda bem que te sentes bem acompanhado, porque são cuidados merecidos. Sei bem o que é ter problemas graves de visão, pois já levo com onze operações aos olhos e nem por isso resisto a procurar as coisas boas da vida e partilhá-las com os outros, antes que o meu dia escureça de vez. A vida é uma luta constante. É preciso darmos o nosso melhor e ir tentando, pelo meio, ter algum juízo...
    Um 2010 com muito mais saúde do que tivemos este ano, para todos, e com novos interesses e estímulos, rodeados pelos que habitam o nosso coração.
    Com muita amizade,
    Vera

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  3. Vera:
    também eu me entreguei à preguiça, aos livros e aos chocolates:)))))
    Pena não ter lareira! Por isso, sinto saudades de outros Natais em Bragança, na casa de meus pais...mas pelo menos tenho as minhas meninas, para me alegrar a alma.
    Beijos e boas entradas.

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  4. Paulo César Gonçalves1 de janeiro de 2010 às 01:25

    Boa noite,


    neste novo ano dei-me ao luxo de vir a descobrir este magnifico blog. A minha querida não quer fazer o favor de me dar o seu contacto de email? Se puder agradecia-lhe muito, queria mostrar-lhe algo se assim mo permitisse.

    Parabéns

    Paulo César Gonçalves

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