O carteiro afastou-se na sua mota. Para trás deixou um rasto de cães ladrando com fúria. Despedi-me do sol, já alto, e vim vasculhar o correio virtual. Um postal de parabéns enviado pela escritora Alice Vieira: imagens a transbordar de natureza campestre, uma canção de fundo, numa voz feminina, a celebrar os meus sonhos e isto de eu estar no mundo e torná-lo melhor, como se eu fosse importante e fizesse falta. Enterneço-me e sorrio pelo privilégio desta amizade à distância. Admiro a força e generosidade desta mulher que, na vertigem em que o seu corpo se encontra, inventa ainda tempo para mimar os amigos e contagiar-nos com a seu bom humor.
Lembro-me que ainda não fui ao correio. Desço as escadas e acaricio o serra da estrela que faz a sesta à sombra, amolecido pelo calor da tarde. Retiro o recheio da caixa branca. Desta vez não traz contas para pagar, mas uma boa surpresa: um postal brilhante e colorido, a transbordar de infantilidade e inocência, minuciosamente preenchido, transformado em carta. Anuncia e explica a escolha do presente. Chega-me de uma amiga do coração, descoberta ainda a cheirar a novo como tinta fresca: a Ana Maria. Ambas lemos, há pouco tempo, a biografia de Clarice Lispector, que deixa em nós a urgência de conhecer a obra integral da escritora. Uma sugestão preciosa da Patrícia Reis, que pelo caminho vai semeando boas leituras. E é com prazer que retiro do grande envelope o meu presente: "Perto do Coração Selvagem", o primeiro romance publicado de Clarice Lispector, escrito na adolescência.
Obrigada, amiga! Receber coisas destas pelo correio é um consolo para a alma. E estamos todos a precisar tanto de consolo, não acham?
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