terça-feira, 22 de junho de 2010

Escrever

Durante uns dias perdi a vontade de escrever. Talvez a vontade estivesse de luto, por Saramago. Se escrevemos é, em grande parte, graças aos livros que lemos. Não se escreve sem ler. Escrevemos como pensamos e o pensamento vai-se formando através de muitas leituras. Escrever não é fruto de uma inspiração divina, mas das interrogações que nascem dentro de nós; do fio dos nossos dias, que vamos vivendo; de uma urgência em traduzir em palavras as histórias que desejamos partilhar com os outros. Histórias, personagens, reflexões, valores, lugares, tempos, recordações, fantasias. Escrever é também fruto de muito trabalho. Um prazer que se renova, como um imenso pomar. Escrevemos para que gostem de nós, para que provem o sumo do que somos capazes, como crianças impacientes que puxam pela manga dos outros, exclamando: "Vejam! Vejam o que eu sou capaz de fazer!". Escrevemos, porque somos vaidosos. Todos os artistas são vaidosos. Ninguém deseja escrever eternamente para a gaveta, da mesma forma que uma bailarina se cansa do espelho de uma sala de ensaios e sonha pisar os grandes palcos do mundo, com a leveza dos seus pés. Vejam o que somos capazes de fazer.
Escrevemos, porque há uma qualquer força que nos empurra para as palavras e é preciso que as saibamos segurar quando ela nos procura; ter o músculo bem tonificado; merecer a companhia inesperada da inspiração.
Saramago, com a textura única dos seus livros, contribuiu para que eu fosse tecendo a minha própria textura: um tecido translúcido e macio, de recantos enrugados e frágeis, que vou aprendendo a serzir. Terei saudades dos livros que não chegou a escrever. Os outros, os que ficaram, serão como familiares queridos que visitamos ao Domingo, em encontros festivos que enchem os nossos álbuns de saudosas memórias.

6 comentários:

  1. Querida Vera.

    Homens, escritores como Saramago não morrem se eternizam, para tê-lo basta reler sua obra, quanto a tua falta de motivação já passou no momento que escreveu este tocante artigo. Você é brilhante com as palavras, mas, você sabe e quem sou eu para dizer-te isto.

    Beijo

    Renata. Alegria nestes lindos olhos, Vera, alegria...

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  2. Brilhante?! Que exagero, querida Renata! :D
    Muito obrigada pela doçura de sempre.

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  3. Olá Vera. Bom Dia :-)
    Neste teu texto escreveste exactamente o que eu penso sobre a escrita e sobre a vontade de escrever. Por estes dias também a minha capacidade de juntar palavras se encontra esmorecida e aparentemente incapaz, mas se quero continuar, não me posso abater!
    Um beijo

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  4. Bom dia, homónima! :D
    É isso mesmo, ânimo e determinação!
    Beijos
    Vera

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  5. Olá Vera:
    Os seus alunos já lhe vão conhecendo um pouco o jeito e o sentir, Obrigada, Vera por partilhar connosco o que vai sabendo. Sinto-me uma leitora bastante preguiçosa e, passe esta barbaridade, não me lembro de ter relido nenhum livro,embora tenha os meus preferidos, Como sabe estou a fazê-lo, relendo e redescobrindo com surpresa a "História do Cerco de Lisboa" , em homenagem a José Saramago, para responder ao 6º exercício. Mergulhei também na edição especial da Visão/JL para o sentir mais próximo da minha vida e das minhas preocupações: "No fundo não invento nada,sou apenas alguém que se limita a levantar uma pedra e pôr à vista o que está por baixo. Não é minha culpa se por vezes me saiem monstros". É bom recordá-lo como alguém que atingiu sabedoria e serenidade e que alguns recordam como uma pessoa feliz... Gostei de saber que era escoropião e que gostava de salada de frutas! Para sábado mandou-lhe este recado: "Se podes olhar,vê. Se podes ver, repara". Espero ao menos tê-la feito sorrir. Um beijo da Ana

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  6. Olá Ana! Não me agradeça, quando me faz feliz. Cada gesto interessado vosso é como um eco da minha vontade. É pena o tempo das aulas voar tão depressa, mas é sinal evidente de muito entusiasmo.
    Fiquei curiosa em relação a essa edição especial da Visão/JL, que não conheço.
    Quanto a sábado (a minha 1ª aula de desenho!), lamento informar que eu olho...mas dificilmente vejo, pois os meus olhos físicos já passaram um mau bocado e têm muitas limitações. Verei o que puder, desenharei o que conseguir ver. Será o meu olhar, sem dramas. Para mim, a distância transforma tudo em fantasmas: mas se é isso que vejo, serão fantasmas que irei desenhar.
    Beijos,
    Vera

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