Exercício com tema à escolha: eles fizeram-no na aula e eu também, por simples e boa solidariedade. Todos escrevemos. Escolhi o tema "A personificação de um objecto que trazem convosco"...e saíu isto.
TEMPO
O meu telemóvel, pousado à minha direita, na mesa, parecia puxar-me a manga do casaco a lembrar-me, impiedosamente, o passar do tempo. Tanto que eu o cronometrara, em casa, ao tempo, essa substância inventada pelo Homem, uma bússola apenas útil. Uma bússola que nos prende e atrofia, condicionados que nos tornámos por segundos, minutos, horas, dias, semanas, meses, anos. Presos a um artifício. Ali estava ele, impávido e poderoso, tentando intimidar-me no seu andamento constante. Superior a mim, que não tinha como avançar, só por ser muito senhora da minha vontade, julgava eu. E ele com tanto. Tanto tempo cheio. Ele, o telemóvel, dono do tempo, impositivo, arrogante. Eu à sua mercê. Trocou-me as voltas: atirou-me para o lado oposto do tempo vazio, que sobrava, para o tempo que me faltou.
Vitoriosa fiquei eu, pois sabia algo que ele desconhecia. Fizera-me um favor. O favor de passar, impiedosamente. Com certo desprezo, digo-lhe que o tempo não existe. O que ficou, foi tudo o que queria dizer. As palavras sobraram na boca dos participantes, que inventaram tempo para aqui estar e que tanto tinham a dizer.
Assim ele passou a correr, assustado com o nosso entusiasmo, comendo os minutos à pressa, devorando pedaços de si próprio, como se roesse as unhas.
Ao vê-lo, fugindo, ainda exclamei, triunfante, bem alto, para que o meu aparelho moderno escutasse:
- Estás a ver? Foge, cobarde sem vergonha! Não precisamos de ti! Que os donos do tempo que não existe... somos nós!
(1ª sessão, 28 Maio 2010, Ericeira)
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