quarta-feira, 16 de março de 2011

Ler + Ler Melhor

2 comentários:

  1. Pois é Vera…
    Primeiro, de uma maneira verdadeiramente inocente deixamos que eles nos impregnem a pele de sonhos e de lugares fantásticos; as suas personagens tomam conta de nós deixando-se encarnar de uma forma maravilhosa. São por enquanto só desenhos, cenários imaginários. O som das letras saiem das bocas de mães, pais, avós, irmãos, enfim, de quem nos quer bem… e acrescenta um ponto!
    Depois, quando já somos ‘… quase homens ou mulheres’, é o deslumbramento nas aventuras vividas por jovens precocemente emancipados, heróis mitificados em series de TV ou no cinema ‘…para maiores de 14…´ das salas de reprease do século passado; Bonanza, Sandokam, Zorro, Rin Tin Tin, Jim das Selvas ou, para meninas, a Lassie.
    Mas de uma forma muito rápida estes e os Walter Scotts vão parar à s segundas filas das prateleiras das estantes. Alguns com menos sorte acabam dentro de caixas em sótãos ou arrecadações de caves. Os que não conseguiram atingir os seus fins vão morrer em alfarrabistas. Se a sorte falha de todo, findam os seus dias em caixotes de lixo ou a atearem um fogo numa qualquer lareira.
    Só os donos dos primeiros passam com distinção e arranjam novos amigos, agora numa faixa etária diferente; coisas mais séries. Lugares de privilégio nas estantes e cuidadosamente são desfolhados, lidos e os melhores relidos. Afeiçoam-se te tal modo a quem os lê que, quando os emprestam ficam zangados e despeitados; na maior parte das vezes, nunca mais voltam. São amigos para uma vida inteira, de forma incondicional, nada exigem e tudo oferecem.
    Quando se atinge este nível, da rapaziada da segunda fila nem uma lembrança. E se algum se atreve, uma vez só que seja, a aparecer timidamente no buraco vazio deixado por um companheiro de primeira fila, é olhado com displicência e contemplado com um sorriso de desdém. E será assim por muitos e muitos anos!
    .../...

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  2. E eles passaram e um dia estava eu neste estado de bem-estar para com a minha biblioteca, quando comecei a sentir-me esquisito. Dei comigo a espreitar sub-repticiamente para a segunda fila, a gostar de relembrar Mandrake e Texas Jack. Numa ocasião tropecei em Odete de Saint Maurice, resvalei para C. S. Forest mas vigorosamente segurei-me a Alexandre Dumas. Durante uns tempos resisti e melhorei, mas tive uma recaída; acabei deliciado a ler as Aventuras dos Cinco completamento vencido pela Enid Blyton. Fiquei muito preocupado. Que raio se estaria a passar? Por este andar ainda acabava a ler o Nody.
    Resolvi pedir ajuda. No posto de saúde não arranjaram nenhuma especialidade médica para o meu caso e não me parecia que a medicina geral resolvesse alguma coisa. Fiquei triste, desconsolado e foi no meio desse desconsolo que vi na montra da Biblioteca da Ericeira um folheto anunciando uma Oficina de Leitura dedicada à leitura juvenil. Passeei os olhos pelo programa e para ler teríamos entre outros Lewis Carol, Selma Lagerlof e Mark Twain. Sorri de orelha a orelha; seria sem dúvida aquela, a receita do médico que me tivesse atendido. Galguei os degraus, inscrevi-me e na hora marcada do dia D lá estava na primeira fila, quarenta anos mais novo, pronto para esgrimir ideias, defender pontos de vista enfim, poder às claras assumir o bem que me fazia ler e reler aqueles livros.
    A moderadora, jovem muito jovem, Andreia Brites, lufada de ar fresco numa biblioteca de clássicos, de coisas serias e por vezes chatas aconselhou-me terapias de choque, como voltar a ler Pinóquio, Contos de Grimm e, se o caso fosse realmente muito agudo, As Mil e uma Noites. E foi isso que fiz. Absorvi todos aqueles livros das segundas filas, exibi-os na frente de quem os quis ver e, ao assumi-os em publico, senti uma sensação de leveza e felicidade inexplicáveis.
    Na última sessão da Oficina de Leitura, perguntei à Andreia se já sabia o nome da minha doença. Caro que sim, que sabia… era simples, eu sofria apenas de ‘envelhescência’ e isso era muito bom. Fiquei desconcertado, o que era isso?
    Explicou-me. A vida era composta de etapas e assim, como de preparação para a vida adulta nós vivemos a adolescência, também antes da velhice temos de passar pela envelhescência. Depende apenas de nós sabermos vivê-la revivendo e reaprendendo com o passado, para construirmos as bases sólidas de uma velhice mentalmente saudável e feliz.
    Ora, quando vi este vídeo d ‘A Fada Dorinda e a Bruxa do Mar, tive a certeza que estava realmente curado porque senti um arrepio de felicidade ao ouvir a sinopse da história. No fim, dei comigo a pensar num escaparate em plena FNAC anunciando aos quatro ventos, que as Bruxas ainda existem e para nossa felicidade, pasme-se!
    Oh Vera, agradeça por mim à Patrícia Reis e diga-lhe que os envelhecentes também gostam de ler as coisas que ela escreve.
    Nos Salgados,
    Mário de Sousa disse…

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