domingo, 20 de março de 2011

Sophia

Entrámos no edifício imponente onde está instalada a Biblioteca Nacional, para vermos a exposição "Sophia, uma vida de poesia". Começo por discordar da escolha do nome. Sophia de Mello Breyner Andresen não dedicou a sua vida apenas à poesia como, aliás, o espólio da própria exposição demonstra.
À entrada, temos de deixar as carteiras dentro de um cacifo, onde colocámos uma moeda de 1 euro. Regulamento da casa e coisa nunca vista em tantas exposições espalhadas pelo mundo, com as mais ricas colecções. Será motivo para me indignar, ou para sentir vergonha dos utilizadores desta biblioteca, para quem não basta o dispositivo de segurança à saída?
Sophia teve direito a uma sala. Junto à porta encontra-se o catálogo para venda, completo e bem organizado, se bem que, para quem deseja ler as cartas nele reproduzidas, tenha de recorrer a uma lupa.
Silêncio. Eu e a minha amiga Ana Maria temos a sala só para nós, no momento em que iniciamos a visita. Logo verifico que ao meu lado tenho a companhia perfeita para conhecer Sophia um pouco melhor. Vejo-me numa verdadeira visita guiada. As palavras fluem da sua boca com naturalidade. Ávida e atenta, vou aprendo através da sua voz, que me fala na Sophia-criança, na Sophia-mulher, na Sophia escritora, na Sophia-deputada. Meia dúzia de mesas com tampo de vidro arrumam este precioso espólio com um tédio imenso e uma apresentação algo amadora: cadernos de notas, cartas, notícias em papel de jornal, fotografias, obras originais anotadas. O único recurso que encontramos à tecnologia é a digitalização esforçada de alguns documentos, que passam demasiado rapidamente, sem opção inter-activa: se quisermos ter tempo de ler 4 linhas, temos de esperar que a sequência retorne ao ponto de partida.
Impera a triste lei do menor esforço, sem fogo, sem chama nem calor.
A minha querida amiga, há dias dona de um exemplar do referido catálogo e de uma velha paixão pela escritora, compensa-me largamente e completa o texto interrompido de algumas cartas. Rimo-nos as duas ao verificar que ela sabe quase tudo sobre Sophia. Nesse instante sentimo-nos habilitadas a formular uma opinião sobre o uso que deram a este pequeno tesouro que confirma a vida riquíssima de Sophia. Entretanto, estão mais três pessoas na sala. Interrogamo-nos: porque não terão feito a exposição no Centro Cultural de Belém, que teria muitíssimos mais visitantes? Porque não recorreram às novas tecnologias que dariam maior visibilidade e dinâmica a estes conteúdos? Porque não destinaram um cantinho da sala para criar um cenário colorido, de modo a ilustrar o universo infantil da sua obra e cativar os mais pequenos? Uma vez que Sophia é uma autora conhecida internacionalmente, porque não recorreram a gravações áudio, traduzidas em várias línguas, para que portugueses e estrangeiros pudessem escutar os textos quase ilegíveis e conhecerem melhor o seu percurso? A luz das mesas é mortiça como o ar que se respira ali. Um ar sem ideias, sem vida nem calor. Uma senhora idosa aproxima-se e chama a nossa atenção: não estamos sozinhas, que falemos mais baixo, por favor... (como se estivéssemos a gritar ou a falar de futilidades como duas galinhas). Tenho vontade de responder-lhe: desculpe lá se estamos vivas, se ainda respiramos ou desejamos que Sophia  continue a respirar.
Obrigada, querida Ana Maria, pela companhia maravilhosa e por tanto que me ensinaste sobre Sophia, a Fada Oriana da nossa infância. Uma mulher que, apesar de homenagens cinzentas como esta, continua a respirar dentro de nós. Que venham outras exposições que lhe façam a merecida homenagem, como tu fizeste, com tanta paixão.

2 comentários:

  1. Querida Vera, a tua descrição é perfeita! Sophia merece muito, muito mais! A sua interioridade riquissima não é apreensível naquela exposição, infelizmente. Valeu-me ter lido o catálogo, os manuscritos inéditos aí publicados, só possível com uma lupa, caso contrário nãao teria reparado em metade do espólio de Sophia. Uma exposição morta, sem paixão, quando Sophia amou a vida como algo sagrado.

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