Dedico este pequeno conto, que escrevi em Maio, ao Vicente, nascido hoje, porque a tua mãe, Vicente, adora a Sophia e as coisas do fundo do mar. Bem-vindo!
Na Casa de Anil há um prodígio que ninguém pode revelar. E não existem lendas nem livros que desvendem o seu mistério. Os homens e as mulheres, que em sonhos entram naquele lugar tecido em algas e corais, transformam-se em peixes e ondinas. A pele cobre-se de escamas e para sempre se calam as suas vozes, emudecidas por inesperadas guelras. Enquanto, na praia ali perto, a maré revela seixos, búzios e caranguejos, eles serpenteiam pelos quartos e salas, por entre os móveis esculpidos em cristais de quartzo e lápis-lazúli, cruzando-se com anémonas cintilantes e medusas de corpo transparente. Por tanto tempo ali aprisionados, ondulando languidamente no interior aquático daquela casa, acabam por olvidar a sua natureza humana. É nessa hora que a maré cheia os vem resgatar, num ritual de consagração aos mares. Mil ondas batem às janelas, desfazendo-se em espuma na soleira da porta. Fatalmente, os peixes são arrastados rumo ao oceano, para habitar as águas do mundo inteiro. As ondinas, levadas em mornas correntes, desaguam nos lagos, construindo, na penumbra das areias azuis, as suas casas de cristal.
O dia vem despertá-los, mas é apenas uma cama vazia que a luz da manhã encontra. Só o tom azulado dos lençóis húmidos conhece o beijo faminto da Casa de Anil, que se vai alimentando com a alma dos poetas e a fantasia dos sonhadores.
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