sábado, 10 de outubro de 2009

Doces acasos


Hoje encontrei um casal que não via há muitos anos. O sítio estava longe de ter encanto, pois cruzámos os carrinhos de compras num corredor do Continente. Porém, os olhos brilharam. Trocámos contactos, combinámos um encontro para breve e despedimo-nos. Já dentro do carro, com as minhas compras, apercebi-me de que sorria ainda. Esquecera-me de deixar de sorrir. Conduzi de forma quase mecânica pela estrada arborizada, a recordar as duas semanas de férias passadas com o tio Henrique e a tia Maria Helena, que um dia convidaram a mais nova de cinco irmãos para ir com eles para o Algarve, por eu ser assim, dengosa, sem sair do colo deles. Foi a primeira vez que passei a fronteira e lembro-me ainda da conversa do meu tio com o fulano da alfândega, que não nos queria deixar passar, por eu não ter B.I. comigo. Foi uma criança deslumbrada que entrou no El Corte Inglés. Estava em Espanha! Tinha 12 anos. Foi junto deles que recebi o meu primeiro telegrama, outro privilégio principesco: Verocas, muitos parabéns! Passou de ano!, um beijinho dos pais. O alívio foi enorme, pois estava convencida de que iria reprovar. Lembro-me de que a minha tia foi escolher um anel e uma pulseira douradas, com florinhas azul-turquesa, que me fizeram sentir uma senhora. Olhava para a mão magra e para o meu pulso infantil e pensava: "recebi de presente, por ter passado de ano! Estou tão bonita!". Desde então, das raríssimas vezes em que o acaso nos reune, surge este carinho enorme. De 10 em 10 anos, os sentimentos adormecidos despertam, pois as emoções e as memórias - que libertam uma luz quente e saudosista - não querem saber das lâmpadas fluorescentes e frias do corredor de um supermercado.
Deixo aqui beijos e abraços melosos aos meus pais, ao tio Henrique e à tia Maria Helena.
(Foto: eu junto ao Tejo, com 10 anos, 1979)

2 comentários:

  1. Boa noite, aqui são 20:39

    Interessante a vida, e nosso saudosismo, a quem ache besteira eu particularmente acho maravilhoso e o que seria da vida sem passado, sequer existiria. Te admiro Vera, bom conhecer as pessoas assim lendo os textos de sua alma.

    Beijos em ti e nos teus lindos filhos.

    Renata

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  2. Memórias, memórias, memórias… o que seria de nós sem memórias. A nossa vida constrói-se e a partir de dado momento parece que se torna impossível não edificá-la sem memórias. Gratas memórias – como estas, suas – que nos permitem perceber porque crescemos, porque nos tornámos adultos mais ‘ricos’.

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