quarta-feira, 8 de setembro de 2010

fim de tarde

Em frente a uma sopa de peixe, ela olhava aquele rasto de luz entornado sobre o mar. Do outro lado da mesa, de cabeça e olhos caídos, ele vasculhava os menus da nova máquina digital, pois como ela bem sabia, não iria descansar enquanto não controlasse por completo o novo brinquedo.
O sol ia descendo, transformando  os contornos daquela estrada de luz derramada sobre as águas. Veio meia garrafa de vinho branco. O nível do copo descia a par dos raios do sol, cada vez mais encarniçado e definido, à medida que se ia aproximando da linha do horizonte. Chegou um gato a miar, como quem diz, Não têm aí nada para mim? Ela desceu a tigela até ao chão e incitou-o a lamber os restos da sopa de peixe. Desconfiado, o bicho chegou-se devagar e acabou por se render, enfiando o focinho na tigela. A noite anunciava-se. O sol deitou-se no fundo do mar, o gato foi-se embora e na memória da máquina digital nada mais ficaram do que testes de luz, experiências, e descoberta de novas funções.
- Porque não lês o manual em casa? - perguntou ela - o sol fartou-se de esperar e foi-se embora, olha...
E assim era. O mar deixara de ser prata salpicada de ouro irrequieto e era agora um manto cinzento e tristonho, a preparar a escuridão. Ao longe, o gato lambia os beiços, satisfeito pelo petisco do fim da tarde que, sabiamente, não havia deixado escapar.

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