Para enriquecer este exercício, escolhi um conto de alguém que aceitou o desafio aqui lançado e me surpreendeu com uma história belíssima, de grande efeito poético.
© Rodney Smith |
A Árvore
Airoso e elegante na sua figura de aristocrata que
normalmente desvalorizava, A. observou com minúcia a excessiva ordem no salão
onde lia. "Escapa-me aqui qualquer coisa." - reflectiu.
Erguendo-se das suas longas pernas tão difíceis de arrumar,
de soslaio vislumbrou ainda uma pequena mancha no soalho. Instintivamente
inclinou-se para a limpar, mas um impulso parou-o. Decerto aquela ínfima
imperfeição ocultava um mistério.
Com o estilete que em geral utilizava para abrir as cartas
esgravatou-a. Sob os tacos escurecidos encontrou um punhado de sementes negras.
A ocasião merecia uma melhor aparência.
Atravessando a mansão até ao quarto, dirigiu-se ao
armário de roupa quase igual onde a custo conseguiu
encontrar uma bela indumentária. Sobre uma antiga cartola do avô a sua mão
hesitou. "Que se dane!" - pensou, enquanto a colocava.
Sob os olhares esgazeados da criadagem foi em direcção ao
exterior. O terreno à volta possuía a geometria adequada aos jardins
de Versailles, mas nele nada florescia. Ao invés, encontrava-se povoado
de incontáveis esculturas de gárgulas, belas na sua bizarria e
solidão. Cuidadosamente construído ao longo dos anos, o jardim de pedra era o
seu grande feito. Os únicos seres viventes que nele se podiam contemplar eram
as flores no coreto, recebidas todas as semanas de figura anónima cuja
existência A. aceitava sem se questionar.
Em passo febril desviou-se do caminho para uma pequena
colina que mantivera incólume àquela parafernália de quimeras de
pedra. Não se apercebeu da lama que subia pelos sapatos acima e entrava
nos seus pés. Viram-no mergulhar na terra as mãos delicadas de quem nunca
trabalhara, escavando e plantando as sementes que trouxera consigo no bolso.
E eis que ela nasceu. A Árvore. Portentosa, podia
conter inúmeras outras árvores dentro de si. Mas era sinuosa como um
labirinto e nela pareciam nascer os mesmos rostos de angústia do seu
jardim. O cúmulo foi quando de um ramo brotou uma figura humana em tudo
idêntica a ele. Observaram-se com mútuo espanto.
Foi então que o Primeiro falou. "Tudo isto é teu."
Tranquilamente desceu a colina e foi em busca de quem lhe
enviava as flores do coreto.
(Soraia Costa, Lisboa)
Obrigada Vera. :)
ResponderEliminarSoraia, muito bom! Fez-me pensar, muito. Bjs
ResponderEliminarObrigada Rita... Tens o nome da minha sobrinha. Beijos para ti e para Verinha.
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