quinta-feira, 18 de abril de 2013

a escrita a e imagem III

Para enriquecer este exercício, escolhi um conto de alguém que aceitou o desafio aqui lançado e me surpreendeu com uma história belíssima, de grande efeito poético.
© Rodney Smith

A Árvore


Airoso e elegante na sua figura de aristocrata que normalmente desvalorizava, A. observou com minúcia a excessiva ordem no salão onde lia. "Escapa-me aqui qualquer coisa." - reflectiu.
Erguendo-se das suas longas pernas tão difíceis de arrumar, de soslaio vislumbrou ainda uma pequena mancha no soalho. Instintivamente inclinou-se para a limpar, mas um impulso parou-o. Decerto aquela ínfima imperfeição ocultava um mistério.
Com o estilete que em geral utilizava para abrir as cartas esgravatou-a. Sob os tacos escurecidos encontrou um punhado de sementes negras.
A ocasião merecia uma melhor aparência.
Atravessando a mansão até ao quarto, dirigiu-se ao armário de roupa quase igual onde a custo conseguiu encontrar uma bela indumentária. Sobre uma antiga cartola do avô a sua mão hesitou. "Que se dane!" - pensou, enquanto a colocava.
Sob os olhares esgazeados da criadagem foi em direcção ao exterior. O terreno à volta possuía a geometria adequada aos jardins de Versailles, mas nele nada florescia. Ao invés, encontrava-se povoado de incontáveis esculturas de gárgulas, belas na sua bizarria e solidão. Cuidadosamente construído ao longo dos anos, o jardim de pedra era o seu grande feito. Os únicos seres viventes que nele se podiam contemplar eram as flores no coreto, recebidas todas as semanas de figura anónima cuja existência A. aceitava sem se questionar.
Em passo febril desviou-se do caminho para uma pequena colina que mantivera incólume àquela parafernália de quimeras de pedra. Não se apercebeu da lama que subia pelos sapatos acima e entrava nos seus pés. Viram-no mergulhar na terra as mãos delicadas de quem nunca trabalhara, escavando e plantando as sementes que trouxera consigo no bolso.
E eis que ela nasceu. A Árvore. Portentosa, podia conter inúmeras outras árvores dentro de si. Mas era sinuosa como um labirinto e nela pareciam nascer os mesmos rostos de angústia do seu jardim. O cúmulo foi quando de um ramo brotou uma figura humana em tudo idêntica a ele. Observaram-se com mútuo espanto.
Foi então que o Primeiro falou. "Tudo isto é teu."
Tranquilamente desceu a colina e foi em busca de quem lhe enviava as flores do coreto.
(Soraia Costa, Lisboa)

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