Hoje quero mostrar-vos que uma simples imagem pode servir de estímulo à escrita. Paralelamente, estou a fazer uma nova experiência: irei exemplificar como a mesma imagem pode originar contos absolutamente distintos. Amanhã escrevei outro, com a mesma imagem...
© Rodney Smith |
Mano a mano
- Estás aí, mano?
- Não…
- Ora, se me respondeste, estás!
- És muito esperto, mano.
O mais velho (por dez minutos apenas,
diga-se de passagem), era um brincalhão e fazia sempre aquilo, deixar o irmão mais novo, cego de nascença e frágil nas emoções, sem saber se gozava com ele ou o elogiava.
- Mas... o que fazes tu aí em cima, afinal?
- É que o artigo que escreveste
esta semana provocou a ira do povo. Se fosse a ti, escondia-me.
O mais novo tinha uma maneira muito especial de ver o mundo, de analisar pessoas e assuntos, e ganhava a vida publicando crónicas no jornal da pequena cidade, além de trabalhar como ghost-writer escrevendo tímidas biografias, homenagens e discursos de cariz político. Na crónica ele deixava escrito o que pensava realmente.
- Escondo-me? Então e tu? Irão passar por aqui, ver-te e julgar que tu...
- Deixa, posso bem com eles. É só fechar os olhos, que os engano bem, tu sabes. Eles vêm cegos de raiva, nem se lembrarão que tens um irmão gémeo que vê. Afinal, durante quanto tempo lhes permitirá a consciência pontapear um cego?
- Não tens de fazer isso por mim, mano...
- Eu sei, mas há dias safaste-me tu. Estou a dever-te este favorzinho. Vai, vai antes que eles passem por aqui. Já vejo as candeias lá ao fundo!
Resignado e muito grato, o mais novo lá foi esconder-se na cave secreta da casa onde moravam ambos. E enquanto atravessava o bosque e o nevoeiro que apenas sentia no rosto, assaltou-o outra dúvida: será que o brincalhão do seu mano, ao transcrever-lhe os textos em braille, não resistia a fazer-lhes algumas alterações? Francamente, não se recordava de ter escrito nada de ofensivo a ponto de provocar violência física.
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