sábado, 27 de dezembro de 2014

In a better world (2010)

 
Comovente, dramático, intenso. Nele encontrei o que de mais puro existe na humanidade, na raiva, no arrependimento, no perdão, na amizade. No amor. Imperdível. É falado em sueco, mas mal reparei nisso, confesso. Aviso à navegação: final feliz.



quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Desejos



Em jeito de oferenda natalícia, no dia em que celebramos o nascimento do menino Jesus...
 
«A Casa suspirou, abrindo fendas minúsculas nas paredes. Aqueles seus olhos insatisfeitos pareciam não lhe pertencer. Também ela sabia que o mundo era maior do que aquilo que podia observar a partir das suas janelas, pois escutara os relatos de viagens que os donos realizavam, quando a encerravam durante muitos dias e muitas noites. Por mais que a vida do jardim se modificasse à passagem das estações, não parecia suficiente; por mais contacto que tivesse com pessoas distintas e testemunhasse o crescimento das crianças, o lugar era sempre o mesmo. Era a sua casa. E na verdade seria assim tão terrível pertencer a uma casa, a um lugar seguro?
            Como eram ingratos, os seus olhos, pensava a Casa.

            A Janela, porém, não se conformava com a sua imobilidade.
À noite, sonhava em partir, como tapete voador quadriculado, sobrevoando outras casas; as torres das igrejas, lagos e planícies; cidades modernas e bem iluminadas; florestas e desertos; aldeias paradas no tempo. À hora em que todos dormiam e a escuridão brilhava lá fora, no esplendor das suas trevas, podia apenas imaginar, sob as pálpebras cerradas, que percorria esses lugares encantadores.
Por vezes, a Janela da Casa perguntava à Lua:
− Tu, que tens um corpo de redonda luz, que vês quando a Noite vem?
E a Lua, inchada no seu orgulho, sempre respondia:
− Tudo vejo em sombras tingidas de azul. Mas o que mais admiro, é o meu corpo de prata, estendido sobre as águas negras.
            Como era vaidosa, a Lua, pensava a Janela.»
(© Vera de Vilhena, excerto inédito, in "O jardim dos desejos) 
FESTAS FELIZES PARA TODOS

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

David Lodge

Já li várias obras de David Lodge, um dos meus escritores preferidos. «A Vida em Surdina» só veio confirmar a impressão que tinha. Esta é uma história apresentada de forma inteligente, divertida, desconcertante, por vezes e, no que respeita à relação de Desmond Bates, o protagonista, com o pai (de contornos bastante autobiográficos, como o próprio admite na nota de autor) comovente, em especial no fim. Tânia Ganho está de parabéns, como tradutora, sendo que este livro, em particular, deve ter constituído um desafio, a par com a diversão por criar equivalências em português, para dar resposta aos muitos trocadilhos. O tema da surdez e o constrangimento que pode provocar a nível social, e não só, vieram ao encontro de situações com as quais eu mesma me tenho deparado, a par dos meus problemas de visão. A vida académica como pano de fundo, um dos cenários em que se desennrola a acção, é já tema recorrente nas obras de David Lodge, compreensivelmente, já que o autor, doutorado na Universidade de Birmingham, leccionou Literatura Moderna Inglesa até 1987, até optar por se reformar antes do tempo previsto, para se dedicar em exclusivo à escrita. E ainda bem para nós que o fez, pois a sua carreira é admirável e os seus livros um prazr para os leitores que apreciam também, como eu, um tipo de escrita moderno, que surpreende.
 
Sinopse
 «Quando decide pedir a reforma antecipada, o professor universitário Desmond Bates nunca pensou vir a sentir saudades da azáfama das aulas. A verdade é que a monotonia do dia-a-dia não o satisfaz. Para tal contribui também o facto de a carreira da sua mulher, Winifred, ir de vento em popa, reduzindo o papel de Desmond ao de mero acompanhante e dono de casa. Mas o que o aborrece verdadeiramente é a sua crescente perda de audição, fonte constante de atrito doméstico e constrangimento social. Desmond apercebe-se de que, na imaginação das pessoas, a surdez é cómica, enquanto a cegueira é trágica, mas para o surdo é tudo menos uma brincadeira. Contudo, vai ser a sua surdez que o levará a envolver-se, inadvertidamente, com uma jovem cujo comportamento imprevisível e irresponsável ameaça desestabilizar por completo a sua vida.»
Para mais informação, espreitem a crítica do New York Times

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Sangue e poesia II

 
(Conclusão da crónica iniciada ontem)
Foram-se ambos, marido e carteiro, no Smart, rumo ao hospital. A mota ficou junto ao portão. O Gastão tomou um segundo pequeno-almoço, depois do aperitivo. Arfava, satisfeito, de consciência tranquila por uma manhã produtiva de trabalho. Comeu com sofreguidão, de apetite desperto pela degustação do sangue, e foi ladrar mais um pouco à mota, cujo cheiro, que sentia do lado de cá do portão, lhe espicaçava a raiva antiga pela classe.
Só então fui ver o que o carteiro me trouxera: sempre eram os livros. Doze exemplares do «Fora do Mundo». O papel pardo algo manchado, com remetente "Legendas e reticências", contendo os meus livros de poesia, corados de vergonha, por terem sido a causa do transtorno.
Às tantas os homens regressaram. Veio uma carrinha dos CTT. O Sr. Jorge, a vítima, de mão ligada.
- Levou pontos? - Perguntei ao Nanã.
- Não. Não dão pontos com mordidelas de cães.
Fazia sentido. Não fosse infectar.
O colega do Sr. Jorge e o meu marido puseram a mota no interior da carrinha, não sem dificuldade. O carteiro a querer ajudar, de mão ligada e dorida.
O Gastão preso no estendal, estranhamente calmo, talvez com pena do homem, que até é bem simpático.
O Sr. Jorge irá ficar uma semana de baixa, pois não pode conduzir.
- Olhe, dona Vera, é da maneira que aproveito para comprar os presentes de Natal com mais calma.
Mas que homem é este? Um santo? Um anjo?
Não, é só um carteiro.
E ainda maldizem o atendimento nos serviços públicos.
Não me canso de repetir: tenho um imenso respeito pelos carteiros e hoje mais ainda por um em especial: o Sr. Jorge.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Sangue e poesia I

(Iª de 2 partes)
O meu marido foi à janela. O carteiro trazia qualquer coisa, uma encomenda que precisava de assinatura.
- Estás à espera de alguma coisa?
- Não - Disse eu estremunhada - Ah, sim, devem ser os livros da Poética. 
Ele desceu. Eu fiquei na cama, entregue à preguiça, até porque tinha ficado a ler até ao fim "A vida em surdina", do David Lodge, com insónia, até quase às 6h da manhã.
Os cães não paravam de ladrar. Normal, tratando-se do carteiro, um ódio de estimação, especialmente do serra da estrela cá de casa, o Gastão. Pouco tempo depois o marido subiu ao quarto.
- Vais ter de te levantar. O Gastão mordeu o carteiro na mão. Vou ter de ir com ele ao hospital.
Assim começou o nosso dia.
Já com um lenço agarrado à mão, o jovem carteiro caminhava para um lado e para o outro, visivelmente nervoso, com a adrenalina em alta, amparando a mão, que pingava.
Sugeri que entrasse, enquanto o meu marido se preparava para sair; ofereci-lhe um chá, água oxigenada. A tudo ele disse que não, que não era preciso. E sempre a sorrir. Até teve humor suficiente para pedir desculpa, por estar a sujar o chão da entrada.
Eu consternada. Aflita com a situação. Às tantas era ele, mais calmo, que me tentava acalmar a mim: 
- A culpa foi minha, sabe? Ele está a fazer o papel dele, eu é que invadi o território dele. Ainda por cima tinha o dono ao pé, estava a protegê-lo, é normal, dona Vera. Eu gosto muito de cães, sabe?
A mão pingava.

domingo, 7 de dezembro de 2014

BBC Music

Um tema dos Beach Boys (1966) usado para celebrar o lançamento da BBC Music. Quanta abundância....! Está fantástico.

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Dois Mundos

«Caminhando, chegam-me lanças de luz
Entre os ramos dos pinheiros.
O vento traz-me ondas de incenso
Composto de folhas frescas
Que um agricultor vai cremando.
O verdor da salsa, a emoldurar as bermas da estrada,
Serpenteando e descendo,
Inunda-me as narinas e abre-me o apetite
Por alimentos frescos,
Temperados com azeite maduro
E vinagre de frutos vermelhos.
Há pombos atravessando-se diante dos meus olhos,
Recolhendo-se ao pombal da D. Alberta.
A tarde finda.
Os meus passos acontecem
Ao ritmo de um Tony Bennett,
Na surpresa de tantos duetos tardios.
Na sombra, arranco, à passagem,
Fragmentos de cedros,
Que esfrego nas mãos enquanto um melro me olha,
Calando a melodia e dançando
Sobre as flores silvestres.
Tenho paz neste meu isolamento.
Não estou longe do mundo –
– este é apenas o meu mundo.
Preciso de me lembrar,
Como quem anota uma tarefa num post it:
Visitar o outro mundo de vez em quando.»
(© Vera de Vilhena, in "Fora do Mundo", Poética Edições, 2014)