Hoje inaugurei-me como coordenadora de ateliers de Escrita Criativa. Não recorria aos transportes públicos há cerca de dez anos. Habituada que estava às carripanas da Rodoviária Nacional, da Carris e da Izidoro Duarte dos anos 80 e 90, muito me espantei com a sofisticação das camionetas actuais.
Quando abordei o jovem motorista (que era 2 em 1, pois têm de arrancar da paragem, conduzir, tirar bilhetes e dar trocos, tudo ao mesmo tempo, sem esquecer de cumprir o horário), qual não foi o meu espanto quando me dei conta da evolução da coisa:
- A senhora desculpe, sente-se aí e espere um bocadinho, que a máquina não está a funcionar. É um sistema novo, sabe? - E desabafa - o outro, o velho, funcionava sempre, este aqui tem dado problemas, uma chatice...
É que este, o actual - pasme-se! - funciona por satélite! Sim senhores, por satélite! É tudo muito giro, muito moderno, mas lá houve uma série de passageiros que viajaram à borla, pois saíram antes que o desgraçado conseguisse resolver o problema com a dita máquina moderníssima e sofisticada. No meu tempo "lá está, a frase dos velhos...), quando a coisa começou a modernizar-se, havia só um tijolinho cor-de-laranja que "trincava os bilhetes" com um sonoro "pling!" e nos carimbava o módulo. Funcionava sempre. Claro que agora os bilhetes são muito mais caros. Afinal, o sistema funciona por satélite, é preciso pagar, meus amigos!
- A senhora desculpe, sente-se aí e espere um bocadinho, que a máquina não está a funcionar. É um sistema novo, sabe? - E desabafa - o outro, o velho, funcionava sempre, este aqui tem dado problemas, uma chatice...
É que este, o actual - pasme-se! - funciona por satélite! Sim senhores, por satélite! É tudo muito giro, muito moderno, mas lá houve uma série de passageiros que viajaram à borla, pois saíram antes que o desgraçado conseguisse resolver o problema com a dita máquina moderníssima e sofisticada. No meu tempo "lá está, a frase dos velhos...), quando a coisa começou a modernizar-se, havia só um tijolinho cor-de-laranja que "trincava os bilhetes" com um sonoro "pling!" e nos carimbava o módulo. Funcionava sempre. Claro que agora os bilhetes são muito mais caros. Afinal, o sistema funciona por satélite, é preciso pagar, meus amigos!
Minutos antes de começar a oficina (odeio a palavra "ateliê"), fui informada, pela directora da biblioteca, de que a turma que iria enfrentar era, nem mais nem menos, uma das mais "complicadas" do concelho. Com um sorriso pesaroso e triste de quem diz: "o que é que se há-de fazer..?", conta-me que os vinte e um alunos vinham, em grande parte, de bairros sociais. Já se escutavam os gritos e os passos que ecoavam no átrio que dava acesso ao auditorio, quando ela remata com a frase animadora:
- Olhe, se conseguir sobreviver a estes, está preparada para qualquer turma! - e saíu, deixando-me com o ar retido nos pulmões, num prenúncio de pânico.
Sobrevivi.
Valeu-me a voz bem colocada pela experiência de vinte anos como cantora, para me fazer ouvir. Dos três jogos que tinha programados, consegui levar dois a bom porto. Quando me viram, dois ou três soltaram um cúmplice "Eh, pááá!!" e nesse instante vi a coisa mal parada. Deviam estar à espera de uma matrona de óculos e carrapito, e sai-lhes uma louraça de olho azul, quase magra. Nada faria prever o desfecho do encontro. Os jogos conseguiram, enfim, prender-lhes a atenção e a magia aconteceu, à meia luz, e ao som de fundo da "Cavalcata", de Astor Piazzolla. "As palavras são trampolins", o nome que dei a estas oficinas, provou que o são, de facto. A mesa sem graça - na qual os primeiros alunos iam pousando os objectos surpresa que levei num saco de padrão escocês - transformou-se em bancada de feira: um deles lembrou-se de colocar um lenço na cabeça e surgiu uma peça de teatro improvisada: "ai, lelo, a quanto é isto? Tão caro, lelo! Aceitas cartão de crédito?"; uma aluna escolheu um sabonete e inventou uma história que terminou com a beira-mar cheia de espuma perfumada; um outro, irremediável rebelde, transformou-se em velhinha e meteu ao barulho uma vela, uma lâmpada e uma caixa de fósforos, que faleceram violentamente num assalto à mão armada. Já para o final, todos erguiam o braço, pedindo para irem "ao palco": "Eu!Eu!Eu!Eu!" e quando terminou, tiveram pena. Eu também. Para a semana há mais e é dia de poesia. Aposto que esta turma terrível vai surpreender-me com uma mão cheia de poetas de improviso. Afinal, as palavras são trampolins, até para os que vivem nos bairros sociais.
Olha só. Estava eu para te mandar um mail ou uma sms a perguntar como tinha corrido a "coisa", e, num impulso já inculcado nos meus hábitos cibernéticos, disse cá para mim: deixa-me lá ver se a Vera já escreveu alguma coisa nova. E Pumba! Lá estava a resposta à pergunta que não cheguei a formular! Pois antes do mais, parabéns. Depois lembra-te, (acho que já estás a prova-lo) os miúdos mais "dificeis" são, por vezes, os mais cooperantes.
ResponderEliminarBeijos, Zé
(P)oi Zé (risos. Percebeste a chalaça?), achei por bem vir escrever, enquanto ainda estava quentinha, acabada de sair do forno!
ResponderEliminarFoi uma grande lição para mim também, é verdade. Muito obrigada pela fidelidade!
Querida Vera,
ResponderEliminarQue bela historinha ou duas historinhas que contas aqui. E que bem que as contas.
Quanto aos transportes, também com surpresa e prazer, voltei há pouco às viagens de Metro depois de muitos anos de lhe fugir como o diabo da Cruz.
Quanto à escrita e aos meninos "maus", talvez um dia se perceba que as artes são muito mais eficazes que mandar as crianças para o psicólogo (que é uma espécie de polícia doce para boa consciência de famílias ansiosas,
onselhos mais ou menos pedagógicos, ministérios desvairados face aos hiper-activos, disléxicos, mal comportados, revoltados, diferentes.
A simples leitura, o teatro, a música, etc, etc, são os grandes caminhos para o crescimento dos meninos e para uma cidadania equilibrada, inventiva, desobediente e saudável.
Nós, os das artes, sabemos isso. Quando os outros falham... Cá estamos nós.
Continua, querida amiga. Com essa alegria e esse espanto. Esse caminho que começas a trilhar é o do futuro de nós todos.
Muita ternira,
José Fanha
Querida Verinha,
ResponderEliminarsão estes alunos que nos prendem ao desafio de ensinar!
Dão luta... mas no fim, são os que marcam a nossa vida e a nossa experiência.
E ver o resultado , uns tempos mais tarde, ainda é melhor.
Sentir que a sua auto-estima e a sua auto-confiança aumenta com pequenos (grandes) gestos, como os que tu descreveste, faz-nos sentir que ganhámos o dia... cumprimos o propósito a que nos propusemos.
Eh, eh! Muito bom!
E como tu própria disseste... eles ainda te vão surpreender muito... tenho a certeza!
Perco-me na tua escrita! Por isso, com toda a certeza, acompanhar-te-ei diariamente neste blog... ( já que para te ver é quase impossível!!)
Beijo grande!
Muito sucesso para esta nova etapa!!
( Acho que a parceria entre a música e a escrita criativa é altamente bem conseguida!! ... ;)...)
Rute Alves
Adorei esta história de meninos complicados! Parece que estava a ler um livro ou a rever-me em certas situações!
ResponderEliminarFiquei fã e vou acompanhar este percurso.
Visite-me também em histórias con(m) vida...
http://isabelpreto.blogspot.com
a Pastelaria Central da Penha manda-lhe um grande beijinho e muitas felicidades.
ResponderEliminardo Luis e da Isabel