quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Não te mexas

Não te mexas. Não saias do meu corpo, por favor, mas não entres na minha vida. Deixa estar assim, este amor perfeito na distância, sem a vulgaridade dos dias, como quem ama o mar distante. Deixa-me viver a vida dos outros, a vida que se espera de nós, e voar para dentro de ti de vez em quando, para te fazer criança outra vez. Não te mexas. Deixa que sejamos reticências, onde tudo cabe, até o futuro que poderíamos ser, mas que não seremos nunca. Estamos presos num castelo de gestos infantis, que erigimos num tempo sem muralhas. Fui ponte levadiça e deixei-te entrar. Encerrei-te dentro de mim para sempre. Por isso não te mexas, deixa estar assim. Deixa que o fosso da vida corrente se afaste de nós, para continuarmos reis do nosso castelo. E serás um Passado sempre presente, pois se abalássemos dessa fortaleza elevada em direcção à planície, que faríamos nós dessa paisagem? Para quê trocar um refúgio de memórias, pelo refugo dos dias? Quando a amargura do tempo tenta arrancar-me o desejo, o desejo mais profundo, lembro-me de nós. E torno a pegar nos braços, chamando por ti, para construirmos juntos um novo castelo.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Pareces que foste ontem

Entraste-me na pele, atravessaste todas as minhas células e ficaste aqui, no núcleo de mim. Fui sendo várias pessoas, agigantando-me, aprendendo a ser o que não sabia ser contigo. A carne não é a mesma, tem história, tem tempo, tanto tempo. Mas quando lhe pergunto se ainda te conhece, diz-me que está contigo todos os dias, sem que eu saiba, cúmplice daquele outro bocado de matéria, feito de válvulas atravessadas pelo sangue, aquele pedaço pulsante para cima do qual atiram as culpas do amor. E esse, o coração? Esse ri, espantado com a minha inocência, por ver que entreguei ao tempo a responsabilidade de te arrancar do corpo. Como se ele, o tempo, fosse aspirador que aspirasse a ficar com a nossa história, sorvendo-a, camada por camada, até conseguir ver os nossos dias numa tela de cinema, porque fomos um filme invulgar, irrepetível. Não, o tempo não conseguiu penetrar-me como tu. Continuas aqui, no núcleo do que sou, na carne, na memória. Entras-me nos sonhos com o à-vontade de uma visita que é já da casa, com a destreza de quem nunca chegou a sair. E a cada vez que te visito, sempre me espanto e digo para comigo: pareces que foste ontem.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Misha Gordin e Jerry Uelsmann

Hoje fiz duas novas descobertas na fotografia a P/B. As primeiras três são de Misha Gordin, que trabalha com colagens ou no Photoshop. São impressionantes.


As três fotos seguintes são da autoria de Jerry Uelsmann, actualmente com 75 anos e que fez estas imagens maravilhosas no método tradicional... há 50 anos! É preciso estar-se muuuuito à frente. Truques? Terá muitos, mas sem recurso ao digital! Enjoy.





domingo, 27 de setembro de 2009

O grande Eça, sempre actual...

"Em Portugal não há ciência de governar nem há ciência de organizar oposição. Falta igualmente a aptidão, e o engenho, e o bom senso, e a moralidade, nestes dois factos que constituem o movimento político das nações. A ciência de governar é neste país uma habilidade, uma rotina de acaso, diversamente influenciada pela paixão, pela inveja, pela intriga, pela vaidade, pela frivolidade e pelo interesse. A política é uma arma, em todos os pontos revolta pelas vontades contraditórias; ali dominam as más paixões; ali luta-se pela avidez do ganho ou pelo gozo da vaidade; ali há a postergação dos princípios e o desprezo dos sentimentos; ali há a abdicação de tudo o que o homem tem na alma de nobre, de generoso, de grande, de racional e de justo; em volta daquela arena enxameiam os aventureiros inteligentes, os grandes vaidosos, os especuladores ásperos; há a tristeza e a miséria; dentro há a corrupção, o patrono, o privilégio. A refrega é dura; combate-se, atraiçoa-se, brada-se, foge-se, destrói-se, corrompe-se. Todos os desperdícios, todas as violências, todas as indignidades se entrechocam ali com dor e com raiva. À escalada sobem todos os homens inteligentes, nervosos, ambiciosos (...) todos querem penetrar na arena, ambiciosos dos espectáculos cortesãos, ávidos de consideração e de dinheiro, insaciáveis dos gozos da vaidade."
EÇA DE QUEIROZ, in 'Distrito de Évora (1867)
Desenho de João Abel Manta encontrado aqui:

sábado, 26 de setembro de 2009

Dia Mundial do Mar

"E vós, ó coisas navais, meus velhos brinquedos de sonho!
Componde fora de mim a minha vida interior!
Quilhas, mastros e velas, rodas do leme, cordagens,
Chaminés de vapores, hélices, gáveas, flâmulas,
Galdropes, escotilhas, caldeiras, coletores, válvulas;
Caí por mim dentro em montão, em monte,
Como o conteúdo confuso de uma gaveta despejada no chão!
Sede vós o tesouro da minha avareza febril,
Sede vós os frutos da árvore da minha imaginação,
Tema de cantos meus, sangue nas veias da minha inteligência,
Vosso seja o laço que me une ao exterior pela estética,
Fornecei-me metáforas imagens, literatura,
Porque em real verdade, a sério, literalmente,
Minhas sensações são um barco de quilha pro ar,
Minha imaginação uma ancora meio submersa,
Minha ânsia um remo partido,
E a tessitura dos meus nervos uma rede a secar na praia!"
(FERNANDO PESSOA, excerto de "Ode Marítima")

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

A Crise do Futuro (Miguel Carvalho)

Não resisto a postar aqui, com os devidos créditos e autorizações, um dos textos geniais escritos pelo jornalista e escritor Miguel Carvalho, publicado recentemente na revista Egoísta (tema "Crise de Bolso"). Leiam este e procurem a revista. Vale a pena.


"Se algo queremos do futuro é que venha bem passado. Conjugado o pretérito com osso e consumido o presente insosso, esperamos um futuro gourmet ou lá o que é. As maçãs terão o tamanho de cerejas e as cerejas o tamanho de melões, sem caroço. A Esquerda será macrobiótica ou não será, e a Direita aparecerá vegetariana à vista desarmada, mas com design. Talvez as mamas saibam a rebentos de soja. E os pirilaus a tofu. Os bebés serão concebidos e servidos a la carte: sexo, olhos e cabelo à escolha, oferta de catálogo previsível de doenças, manias e tropelias, desconto na opção gémeos. O futuro terá ministros sem corantes nem conservantes, deputados low-cost e eleições oito dias/sete noites, com pensão completa. O governo autorizará os genéricos para o optimismo e liberalizará a adrenalina contra o vírus da depressão. Teremos empregadas insufladas, mordomos a rodas para as tostas e Ambrósios a pedal, com aquecimento central. O psiquiatra será o nosso Pai Natal. O sexo será de última geração, com ecrã plasma e carregamentos de 50, 100 e 200 euros, com mensagens ilimitadas para redes congestionadas. A bimby handjob/blowjob fará o sucesso das classes mais abastadas. Os subúrbios serão desinfectados regularmente e os dormitórios terão, no mínimo, uma palavra-passe com seis dígitos. O Código Penal será revisto para criminalizar o consumo de rojões a céu aberto e a prática de revoluções aos molhos. Haverá Igrejas com consumo mínimo e seitas por catálogo. O gangue das misericórdias será caso de polícia. E a polícia terá seguranças privados. O futuro terá poetas a pilhas, pintores a bateria, dançarinos de corda, teatro às peças e cinema por SMS. A felicidade terá orçamentos rectificativos. E os governos cairão sempre de pé, mas de uma assentada. As crises serão permanentes. Com madeixas. Sorriremos com silicone. E choraremos para dentro, em garrafões de cinco litros. O desgosto e a tristeza serão pandémicas. Mas de marca."
NOTA - espreitem o blog "Devida Comédia", do Miguel, se andarem à procura de bons textos para ler. Eu sigo religiosamente.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

A fronteira da preocupação

A preocupação, sem pensamento, é algo de estéril. Um problema ou tem solução, ou não tem. Se tiver uma ou mais soluções, é melhor que pensemos e analisemos o caso, até as encontrarmos; se não tem, não há nada a fazer. Então, para quê a ansiedade? Pensamos que é um estado racional, mas no fundo não passa de uma fraqueza emocional, como o ciúme, o medo, a preguiça, a insegurança, a inveja, enfim, tudo o que nos torna humanos e imperfeitos, tudo o que nos distingue uns dos outros, o que nos mostra a massa de que somos feitos. Ironicamente, as emoções que o justificam são precisamente essas e esse estado, o da preocupação, não passa de uma fronteira para a surpresa do alívio, ou a constatação de uma má notícia. Devemos, portanto, tornar essa fronteira o mais ténue possível e deixar de fazer o culto da ansiedade. Don't worry, be happy... but be careful and aware.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Sem fôlego

O dia começou bem cedo, as horas levaram-me de arrasto, apressadas, sem fôlego, atirando-me para o crepúsculo com pressa. Por isso não tive tempo de construir um único pensamento, ocupada que andei a viver. É que às vezes é preciso não viver para olhar a vida do lado de fora. Parar. Como fazê-lo, se me encontrava mergulhada num redemoínho de minutos e horas, que me afogaram o dia?

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

A torre medieval, poodles e as montanhas de Nietzsche


Aprendi que Montaigne passou grande parte da sua vida a ler um milhar de livros na sua biblioteca, situada no terceiro piso de uma torre num dos cantos de um castelo medieval, localizado no sudoeste de França, e que pertencera à sua família. Ao fim de treze anos a trabalhar no Parlamento de Bordéus, reformou-se...para ler. Aliás a história da filosofia está cheia de caprichos destes, de vidas e mortes de luxo, de viagens que se prolongavam durante meses (como Nietzsche e Schopenhauer). Aprendi que Montaigne dava mais crédito à sabedoria dos animais, do que à dos seres humanos e que os seus célebres "Ensaios" falam de esfíncteres, da erecção do pénis ou do facto de reis e rainhas também serem donos de traseiros; de que o acto de defecar era o único durante o qual não suportava, de modo algum, ser interrompido e de que ele "e os seus intestinos nunca falhavam um encontro quando saltava da cama".
Aprendi que no verão de 1580, Montaigne empreendeu uma viagem com quatro jovens nobres (um deles seu irmão) e uma dúzia de criados, a cavalo, planeando estar fora dezassete meses e que se passearam por Itália, Alemanha, Áustria e Suíça. Aprendi que era um homem livre de quaisquer preconceitos, inclusive face aos mais estranhos costumes das tribos da América do Sul ou a admitir que não tinha pachorra para livros "misteriosos", difíceis de ler, e que só gostava de "livros agradáveis e fáceis", que despertassem o seu interesse. E era Montaigne, o filósofo ensaísta e erudito, que lera um milhar de livros.
Aprendi que Schopenhauer deve ter sido um dos homens mais infelizes que alguma vez existiu, por considerar a própria vida digna de tristeza apenas; que tinha adoração por poodles, os quais tratava por Sir e que sempre os teve, um de cada vez, ao longo dessa triste vida sem o amor de uma mulher; que se tornou amigo de Goethe que para ele escreveu: "Se desejares ter prazer na vida / Deves dar mais valor ao mundo". Que até aos cerca de sessenta anos, os seus livros pouco ou nada venderam e que a sua última obra, de ensaios e aforismos ("Parerga e Paralipomena") se transformou num best-seller, sete anos antes da sua morte.
Aprendi que Nietzsche tinha um bigode farfalhudo, do qual nunca abdicou apesar do dito afugentar as mulheres; que considerava a maioria dos filósofos como "um bando de patetas"; que se tornou íntimo de Wagner e da sua mulher, Cosima, por quem se apaixonou secretamente; que aceitou um convite duma rica dama de meia-idade, entusiasta das artes, para uns meses na sua companhia, numa villa no sul da Itália, e que este lugar (o clima, a alimentação, os hábitos de ler e nadar com os amigos) o transformou; que adorava escalar montanhas suíças; que passava os invernos no mediterrâneo (Génova e Nice) e os verões nos Alpes; que acordava às 5h da manhã e que escrevia até ao meio-dia e que era nos seus longos passeios às montanhas agrestes que lhe surgiam os pensamentos "com qualquer valor"; que tinha, durante esses verões, um quarto alugado numa moradia, com vista para os pinheiros e para as montanhas, onde escreveu grande parte das suas obras; que apenas jantava umas fatias de presunto, um ovo e um pão; que mais tarde tentou dedicar-se à agricultura, mas que as costas e a visão deficiente não lho permitiram; que desde muito jovem odiava o álcool e desprezava quem dele se socorria ("Que quantidade de cerveja existe na inteligência alemã?") e que numas férias de uma semana em Lugano, com a sua irmã, a factura do hotel incluía catorze copos de leite; que um dia, numa Piaza de Turim, teve um ataque e beijou um cavalo; que foi transportado para a sua pensão e que passou uma fase em que acreditava ser - conforme a hora - Dioniso, Jesus, Deus, Napoleão, Buda, Alexandre o Grande, César, Voltaire, Wagner; e que acabou por ser enviado para um asilo na Alemanha, onde foi tratado pela irmã e pela mãe, de quem, ironicamente, dissera "não gosto da minha mãe e torna-se doloroso para mim ouvir a voz da minha irmã. Sempre fiquei doente quando estava ao pé delas."
Aprendi que nem tudo o que nos faz sentir melhor é bom para nós; e que nem tudo o que nos dói está livre de nos fazer algum bem.
Obrigada, Pedro, pelo empréstimo.

domingo, 20 de setembro de 2009

Cicuta, o prazer e a glória

Quando pensamos que todos os livros de auto-ajuda já foram escritos, eis que descobrimos um autor (Alain de Botton) que decide usar a Filosofia como pano de fundo. "O Consolo da Filosofia" é um livro divertido, surpreendente, estimulante e instrutivo, que nos faz viajar ao longo de 2400 anos, através de diversas correntes filosóficas, para nos revelar argumentos, parágrafos e mundanidades de 6 filósofos em particular. Filosofias aparte, aprendi que Sócrates era muito feio, cheirava mal e vestia-se com a mesma capa durante todo o ano; andava quase sempre descalço, tinha uma mulher com um péssimo feitio, gostava de abordar as pessoas ao final da tarde e que, no dia da votação em tribunal, perdeu para a taça de cicuta por uma pequena margem, pois os votos contra foram de 56%, de um total de quinhentos jurados que não passavam de velhos reformados e feridos de guerra, que ali estavam para animar a sua rotina e ganhar uns ébolos extra. Ao escutar o veredicto, Sócrates comentou: "nunca pensei que a margem fosse tão estreita" e bebeu a taça de veneno na presença dos seus amigos (Fédon relatou cada pormenor), dizendo estas últimas palavras ao grupo que chorava sem poder conter a sua tristeza: "Que modo estranho de se comportarem, meus estranhos amigos!"
Aprendi que Epicuro devotou a sua vida à procura do prazer: comer, beber, fornicar, estar rodeado de amigos e que, na sua época se formaram "escolas para o prazer" na Síria, judeia, Egipto, Itália e Gália; e que, tendo fama de glutão, encontrava prazer no simples acto de se alimentar com "água, pão, vegetais e um punhado de azeitonas" e que escreveu a um amigo; "manda-me um queijo, para que possa fazer um festim"; que construiu um pomar e uma horta com uns amigos, para cultivarem os seus próprios alimentos, para comer pouco, mas bem.
Aprendi que Séneca, que havia sido tutor de Nero, teve a benesse de umas férias de três anos no campo, para escrever sobre a natureza, enquanto esperava serenamente a ordem de morte, que se anunciava, da parte do imperador louco e cruel, que aos 28 anos já mandara matar a mãe, Agripina, o meio irmão Britânico, Octávia, a sua mulher e um grande número de senadores e militares que lançava aos leões e crocodilos; que Séneca desejou morrer como Sócrates, que tanto admirava, mas que o seu médico o enganou, dando-lhe a beber algo que por duas vezes não fez qualquer efeito; que a sua mulher Paulina, em desespero, cortou os pulsos, mas foi socorrida por centuriões que lhos ligaram, salvando-a; que o filósofo "pediu para ser colocado num banho a vapor, onde sufocou até morrer. em tormento, mas com serenidade, imperturbável perante as perturbações da Fortuna". Já não há heróis destes. Já não se vive nem se morre assim.

sábado, 19 de setembro de 2009

Vinho, vícios e filosofia

Depois de um belo manjar n' "O Lampião" (Turcifal, Torres Vedras) e de uma noitada no novo bar "Vinicius - Vinho e Vícios", que meteu cantorias, improvisos, boa disposição e muitos aplausos, graças a deus, o corpo pediu descanso e a mente exigiu que eu lhe exercitasse os músculos. Eu assim fiz e dei ao corpo seis horas de repouso. De manhã agarrei-me a um livro, li sobre Montaigne e Schopenhauer, e surpreendi-me com as curiosidades mundanas que as páginas me revelaram. Os livros são algo de maravilhoso. Este em particular pega em nós, fazendo-nos viajar no tempo através da mente de alguns dos maiores filósofos do mundo e faz com fiquemos íntimos deles. Esta noite ou amanhã acabo de o ler e dedico-lhe o próximo post.
Entretanto, se quiserem conhecer o bar e comer uns petiscos, é o único no Turcifal e está aberto às 6ªs e sábados e em vésperas de feriado. O ambiente é óptimo e as proprietárias são uma simpatia.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

O azul e o pensamento



Já que o roxo e os tons púrpura estão na moda, sugiro uma bebida extravagante que descobri ontem, em casa dos meus queridos amigos Afonso e Catarina: blueberry vodka. Servida com gelo e hortelã e cortando os 16º de álcool com um pouco de néctar de fruta ou limão, é uma bebida de deuses gulosos.
Hoje, para me ridimir da minha costela epicurista que tanto se dedica aos pequenos prazeres da vida, li Séneca e as suas lições tornaram-me um pouco mais sábia. Amanhã dedicarei o post a este filósofo e irei partilhar convosco os textos deliciosos contidos no livro onde tenho aprendido tanto sobre Sócrates, Epicuro, Séneca, entre outros. Afinal, não será a vida feita de contrastes, de ventos favoráveis, desfavoráveis, frustração, sonho, teimosia, prazer, ignorância, sabedoria? Hoje uma bebida desconcertantemente azul, amanhã o pensamento.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Firmin, de Sam Savage

Na véspera do final de umas férias maravilhosas no sul de Espanha, surripiei este livro à Teresa e li-o de enfiada, para o devolver a tempo. Tal como Firmin, o rato, troquei a comida pelos livros, abdicando de doses de conquilhas, salada de tomate com orégãos, copos de vinho branco e taças de nozes com chantilly e caramelo, para ficar na praia, a ler a sua história:
É o 13º de uma ninhada de treze e os seus irmãos apropriam-se dos doze mamilos da mãe alcoólica, deixando-lhe apenas algumas gotas de leite com um sabor esquisito. Vivem instalados numa velha livraria e Firmin, que ao contrário dos irmãos anafados é franzino e frágil, começa a comer livros para sobreviver. Um dia descobre que consegue descodificar as palavras que eles contêm e opta por se limitar a comer as margens, arrependendo-se de ter destruído algumas obras, com o seu apetite. Então passa a devorar as palavras, em vez do papel. Aos poucos, o cérebro vai-e desenvolvendo à conta das muitas leituras, a ponto de Firmin se considerar, por vezes, humano. Lê os clássicos, tratados de filosofia, manuais técnicos, tudo o que encontra. Firmin é um rato solitário, romântico e sonhador. Deseja amar e compreender os humanos. Ama as belas mulheres e anseia por fazer amizades. Cinéfilo apaixonado, espreita todos os filmes do Rialto (inclusive os pornográficos) e imagina ser Fred Astaire, dançando com Ginger Rogers.
Esta novela deliciosa, em jeito de fábula, é, ao mesmo tempo, engraçada e trágica. Sam Savage disse numa entrevista que vai continuar nas "short stories", pois, com a saúde que tem, não pode dar-se ao luxo de iniciar um projecto que pode demorar anos a terminar. Depois de ler este livro MARAVILHOSO, só posso desejar que viva por muitos e bons anos, para nos abençoar com novos livros. Sam Savage é doutorado em Filosofia, pela Universidade de Yale, onde leccionou por pouco tempo, para se dedicar a outras actividades: trabalhou como mecânico de bicicletas, carpinteiro, pescador e impressor tipográfico. Aos 65 anos, estreou-se com "Firmin" e alcançou rapidamente um enorme sucesso nos EUA, Espanha, Brasil e Itália, tornando-se um símbolo da paixão pela literatura. Esta novela foi publicada por uma pequena editora de Minneapolis, fora dos grandes circuitos editorias de distribuição, o que não impediu o seu grande sucesso. É bom saber destes pequenos milagres. Obrigada, Teresa!




quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Filosofices e pirosices


Hoje estou assim, pirosa. Enquanto inspirava o ar fresco do fim do verão, regando as minhas petúnias, entornou-se-me este pensamento:
A vida é como uma floreira de petúnias, todos os dias nascem flores e outras murcham. Para cuidarmos dela, devemos arrancar as flores mortas e concentrarmo-nos nas que estão por nascer e nas que se mostram em todo o seu esplendor. Há mesmo uma época em que a petúnia deixa de florir. Há que esperar por uma nova estação, até que de novo ela renasça, com novas flores que nos animam. Como uma planta, a vida é um ciclo de aspecto por vezes tristonho e murcho, para logo nos consolar com pinceladas de cor, promissoras, como se Deus fosse um pintor inspirado e caprichoso, brincando com os seus pincéis num imenso jardim.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Homem na Escuridão

Regressei de umas férias maravilhosas no sul de Espanha e de volta trouxe alguns livros por ler, pois a água, a 26º, não parava de me chamar. Assim, e porque é preciso dar prioridade aos livros emprestados, apressei-me a avançar na leitura de mais uma obra de Paul Auster. Terminei de ler há instantes, já o sol se havia posto, os olhos esforçados e impacientes, que tentavam aproveitar os últimos raios de luz, junto à janela, recusando-se a largar as últimas páginas. É, até agora, o meu livro favorito deste autor. Histórias dentro de uma história, violência, humor, surrealismo puro. Muito bem escrito, muito bem engendrado. Uma forma originalíssima de inventar (n)a insónia. Recomendo, obviamente. Obrigada, Pedro.


segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Setembro

Os 10 anos do Micas, na praia...

A guitarra do Luís, as vozes de todos (o álcool!), o riso, o ambiente de festa, a lua cheia, como ditava a fantasia do aniversariante. O Gugas tirou esta foto, sem saber como, e apanhou a lua em flagrante, também ela um pouco "entornada", em jeito de celebração.

Patas out of focus, como o Woody Allen...
Sempre em movimento, esvoaçando de livro em livro, ou de prato em prato, a tratar dos "meninos".

A última noite, o último "postalinho"...Foram duas semanas maravilhosas. Obrigada a todos, por tudo.