Uma grande amiga proporcionou-me uma tarde e noite bem passadas, por ocasião do lançamento do livro de um amigo comum. É bom conhecer almas novas, trocar sorrisos e abraços, conversar, saber de outras vidas, com um copo de porto numa mão e um livro de versos na outra. Obrigada, Rosarinho, por me raptares da minha toca, parabéns, João, por este livro tão sincero, aconchegado pelo amor e pelo mar.
Foi-se o momento, ficam os versos:
"Eu queria ter a certeza
De que o pensar me faz doente
Que é antinatural pensar
Queria olhar as coisas
E ver somente as coisas
Como os velhos da minha terra
Que vêem no mar só o mar.
Quando passo pelas montras da cidade
Olho para dentro como as crianças.
Desejo as coisas como elas.
Se forem bolos lambo os beiços.
Estou sempre à espera de uma senhora
Que baixando-se à minha altura de homem
Veja em mim um menino
E me compre um bolo.
Se isto acontecer algum dia
Hei-de sorrir como um menino
Hei-de agradecer com os olhos
Hei-de correr pelas ruas
Esquecido do meu bolo.
Eu queria pensar sem comparar...
Quando estiver cansado deito-me
Onde me apetece deitar."
(JOÃO DELGADO GODINHO, in "Em Solidão Cresce Este Mar Azul", Terramar, 2010)