"A relação compunha-se de rituais quase extremos, feitos de uma vontade de encontrarem um no outro todas as matérias de que eram feitos, como cães marcando território em busca de cada cheiro, cada substância, na apropriação total do corpo que era seu par. Num dia quedavam-se na casa de campo vestidos com pijamas de flanela, a lareira acesa, o esparguete à bolonhesa, o repouso da chama que o entendimento invadiu e serenou; noutro ele pedia que ela colocasse um vestido preto, umas meias de rede, os sapatos italianos de salto alto, e que saíssem juntos, belos os dois, de olhos provocadores, a quebrar a indolência incompreensível dos outros, a fim de inflamar o seu próprio desejo: Júlio retirava um prazer íntimo em sentá-la num lugar estratégico e sabê-la nua por baixo de vestido. Divertida, ela fazia o papel de Sharon Stone, cruzando e descruzando as pernas sedutoras enquanto participava numa conversa animada, trocando olhares cúmplices que só ele era capaz de decifrar. "
(excerto do livro que estou a terminar)
Não se deixem enganar pelas riscas cor-de-rosa. Os dias são (d)escritos com todas as cores.
terça-feira, 30 de novembro de 2010
segunda-feira, 29 de novembro de 2010
domingo, 28 de novembro de 2010
sábado, 27 de novembro de 2010
sexta-feira, 26 de novembro de 2010
quinta-feira, 25 de novembro de 2010
"A Fera na Selva"
Terminei hoje a leitura deste livro magistral, diferente de tudo o que li. Os temas da solidão, do amor, da morte, do desencontro, do não-viver tratados de forma sensível e inteligente. No fim, fica a emoção e um novo olhar sobre o mundo. O nosso universo interior modificado para sempre.
Obrigada, P., pelo prefácio que abre e fecha o livro (li-o antes e depois) com chave de ouro. Tradução belíssima de Ana Maria Pereirinha Pires. Um livro pequenino., 4.95 euros, edições Quidnovi, uma sugestão a reter, um pequeno tesouro.
"Branca como cera, com o rosto marcado por rugas tão finas, que poderiam ter sido traçadas com uma agulha, um vestido branco e suave animado apenas por um lenço de um verde pálido, com uma tonalidade delicada que os anos haviam tornado ainda mais inefável, ela era o retrato de uma esfinge serena e requintada mas impenetrável, cuja cabeça, ou antes, toda a figura, houvesse sido polvilhada com prata. Era uma esfinge, mas com as suas pétalas brancas e frondes verdes poderia igualmente ser um lírio - um lírio artificial, magnificamente imitado e cuidadosamente mantido numa redoma de vidro, sem pó nem mácula, embora não isento de um certo desfalecimento e de um complexo de delicados vincos. Aquela casa sempre estivera numa ordem perfeita e num estado de limpeza imaculado. Contudo, parecia agora a Marcher que tudo fora tratado, dobrado, arrumado e definitivamente guardado para que ela pudesse apenas sentar-se ali com as mãos no regaço sem ter mais nada que fazer. Ela já estava "fora daqui"; a sua missão terminara - comunicava com ele como se estivesse do outro lado de um abismo, ou a partir de uma ilha de repouso que já alcançara, o que o fazia sentir estranhamente abandonado."
(HENRY JAMES, in "A Fera na Selva", 1903)
terça-feira, 23 de novembro de 2010
Juntos
Faz hoje 15 anos que o meu filho nasceu. Hei-de vê-lo sempre assim, mimoso, agarrado aos meus braços. Não tão sério como o olhar que dedicámos neste dia à câmara, tinha ele apenas 6 anos, mas com dias cheios de riso e disparate, de raspanetes, de fornadas de biscoitos, de lambidelas na colher de pau a apanhar o resto da mousse, de livro na mão a perguntar o significado de uma palavra, deitado no chão da cozinha, atacado pelos cães que querem matar de uma vez as saudades que têm dele, de mãos dadas na rua, enroscados no sofá, tapados com a manta, enquanto vemos televisão, a perguntar-me, Mãe, hoje já te disse que és a melhor mãe do mundo? E eu que não, mesmo que sim, só para ouvir outra vez e fazê-lo rir. Sim, toda a espécie de coraçõezinhos e pirosices, porque o amor de mãe é assim, piroso e tem de confessar-se e ser celebrado, senão transborda.
Foi há 15 anos e nove meses que comecei a viver a melhor coisa que me aconteceu. Parabéns, filhote.
segunda-feira, 22 de novembro de 2010
Escrevendo...
"A chave entregue na D. Ermelinda, a porta fechada para sempre. As roupas nas gavetas, os frigoríficos e a despensa cheios, os brinquedos dos miúdos em suspenso, a cassete do Toy Story inserida no leitor de vídeo, os produtos nas casas de banho, os discos, os livros, os candeeiros, a grafonola comprada na loja de antiguidades, os móveis adquiridos em antiquários, a roupa de praia, a loiça, os vinhos na adega, tudo ficou. Lembrava a história dos três ursinhos e da menina dos caracóis de ouro, um dia alguém ia entrar e ver a sopa fumegante na mesa posta, as camas feitas, Alguém mexeu na minha sopa, alguém se deitou na minha cama. Como Pompeia, a casa ficara suspensa em lama e cinza, deixando os habitantes entregues à poeira e ao abandono do tempo, encurralada numa solidão húmida, com o fantasma das crianças rindo e correndo pela casa e no baloiço lá fora.
Durante três anos nenhum dos dois lá voltou. Sara porque à simples ideia de o fazer chorava, e Júlio por mero desapego, ou assim julgava ela."
(do livro em que estou a trabalhar)
Durante três anos nenhum dos dois lá voltou. Sara porque à simples ideia de o fazer chorava, e Júlio por mero desapego, ou assim julgava ela."
(do livro em que estou a trabalhar)
domingo, 21 de novembro de 2010
sexta-feira, 19 de novembro de 2010
Rui Veloso
Ontem, em concerto extra no Coliseu dos Recreios em Lisboa, também quase esgotado, para celebrar os 30 anos de carreira e os 20 sobre a gravação do álbum "Mingus e os Samurais", Rui Veloso deixou uma multidão de barriga cheia e a pedir mais, ao fim de 3 horas. Duas partes, duas bandas. Na primeira, tornámos a ouvi-lo com o Manel Paulo ao piano, o Nanã Sousa Dias no sax tenor, soprano e flauta, o Manuel Costa Reis na bateria, o Alexandre Manaia nos teclados, guitarra e vozes, enfim, a velha formação dos anos 80.
Na 2ª parte trouxe convidados e velhos amigos: Tim, Dany Silva, Tito Paris, João Gil, Jorge Palma, Mariza. O som e as luzes foram exemplares, nada falhou. E quando falhou e algo na parte técnica demorou uns segundos, o Rui, muito descontraído, fez-nos rir:
- Olha, faço um solinho! E deliciou-nos com um belíssimo solo de blues. Os coros masculinos, em ambas as bandas, soaram como gravados em estúdio. Como cantora, fiquei impressionada: Berg (guitarrista) e Paulo Ramos (que também tocou percussão) aconchegaram a voz do Rui e fizeram jus à alta qualidade dos arranjos harmónicos.
- Olha, faço um solinho! E deliciou-nos com um belíssimo solo de blues. Os coros masculinos, em ambas as bandas, soaram como gravados em estúdio. Como cantora, fiquei impressionada: Berg (guitarrista) e Paulo Ramos (que também tocou percussão) aconchegaram a voz do Rui e fizeram jus à alta qualidade dos arranjos harmónicos.
Um novo tema maravilhoso, à laia de guloseima: "Velhos no Jardim".
Novos arranjos, um desfile inacreditável de boas canções que não iremos esquecer. Não há carreira que se compare à deste senhor em Portugal. A sensibilidade e graça das letras inspiradas de Carlos Tê, quase na totalidade do seu extenso repertório, são impossíveis de dissociar do constante e merecido sucesso que o Rui tem tido ao longo destas três décadas. Seria impossível cantá-las todas, ainda assim, foram dois concertos com meia hora de intervalo, um esforço olímpico para um cantor, para mais, tendo em conta que tinha já feito o mesmo concerto na véspera! Quando se tornou evidente que ia terminar, o publicou vaiou e ele reagiu, bem disposto:
- Querem matar-me do coração?!
Algures, a meio da festa, um homem sai-se com um pedido desvairado que pôs o coliseu inteiro a rir:
- Ó Rui, faz-me um filho!
A bem dizer, filhos, já deixou muitos: várias dezenas de canções que fazem parte do nosso percurso musical, numa variedade de composição impressionante. Maravilhoso concerto, uma festa alegre, comovedora, excitante, onde tive a honra de participar de camarote.
No final, para nós, amigos do Rui, mulheres dos músicos, filhos, etc, houve convívio depois, com uma ceia privada servida no bar dos artistas. Cheguei a casa às 5h da manhã, cansada, feliz, com o coração cheio de melodias.
A foto acima foi tirada no estúdio cá de casa, pelo Nanã. Nesta sessão fui transformada em maquilhadora de urgência, pois como dizia o Nanã, Hás-de fazer melhor trabalho do que eu...
Digam-me se o nosso Rui não ficou lindo. Parabéns, amigo, por uma carreira sem igual.
terça-feira, 16 de novembro de 2010
lendo...
"Não valeu a pena mudar de lugar, a prisão está em mim, em mim, em mim, em mim."
"Morar numa aldeia pequena onde todos se conhecem, perto de uma cidade grande, das vilas mais próximas, sufoca."
(ISABEL-VICTÓRIA DA MOTTA, in "Podes Imaginar as Saudades Que Tenho Tuas?", 2007)
"Morar numa aldeia pequena onde todos se conhecem, perto de uma cidade grande, das vilas mais próximas, sufoca."
(ISABEL-VICTÓRIA DA MOTTA, in "Podes Imaginar as Saudades Que Tenho Tuas?", 2007)
quinta-feira, 11 de novembro de 2010
"O Homem do Adeus"
"Figura incontornável da cidade de Lisboa, João Manuel Serra, o «Senhor do Adeus», faleceu ontem aos 80 anos. Todos os dias, passava horas a fio sob sol ou chuva vendo os carros que passavam e acenando aos condutores. Dizia que começou por brincadeira mas depressa percebeu que aquele trabalho deixava as pessoas mais felizes e quando lhe acenavam de volta, levava para casa um sorriso no rosto. O fadista Marco Rodrigues já lhe tinha prestado homenagem ao incluir o fado «O Homem do Saldanha» no seu mais recente álbum, «Tantas Lisboas», um dueto com Carlos do Carmo, com letra de Boss AC e música de Tiago Machado. Eis o videoclip de «O Homem do Saldanha»". Eu que não sou especial apreciadora de fado, achei este tema maravilhoso e as interpretações excelentes.
Roubei a pequena reportagem e o videoclip aqui
revelações
Textos escritos ao longo de anos - contos infantis, histórias soltas, contos para a adolescência, uma novela inacabada - jazem no fundo da gaveta, votados ao meu esquecimento. Soa a sirene, a anunciar o término do recolhimento obrigatório em tempo de guerra, uma guerra que nem guerra é, apenas marasmo, letargia. As minhas mãos querem agora retirá-los da gruta, libertá-los da poeira do tempo, puxar-lhes o lustro, como a maçãs vermelhas na bancada do mercado, para que se arrumem na montra natalícia, inéditos, carentes de atenções, prestando-se aos olhares perscrutadores de estranhos importantes. Respiro fundo e arregaço mangas, arrependida da minha preguiça de alicerces tão profundos e suicidas, que há muito esgravatam a terra deixando-me assim, desprevenida quando a oportunidade chega. Tenho uma árvore de raízes obstinadas para arrancar.
Roubei a imagem aqui
Roubei a imagem aqui
terça-feira, 9 de novembro de 2010
Prémio Portugal Telecom de Literatura
segunda-feira, 8 de novembro de 2010
Livro
Dediquei a manhã ao "Livro", de José Luís Peixoto. Não consegui pousá-lo sem o terminar. Maravilhoso. Obrigada, Manuela.
domingo, 7 de novembro de 2010
Prémio Jabuti 2010
O 1º Prémio Jabuti na categoria de Romance foi para o jornalista e escritor Edney Silvestre, com o livro "Se eu fechar os meus olhos agora" (editora Record, Brasil).
Em 2º lugar ficou Chico Buarque com "Leite Derramado".
Em 2º lugar ficou Chico Buarque com "Leite Derramado".
Cá esperamos o lançamento deste primeiro romance cuja estreia foi tão feliz.
Para mais informações, clique aqui
sábado, 6 de novembro de 2010
A antena e o cão
Os técnicos da Meo vieram instalar-nos a box, em substituição da da Zon, cuja antena, espetada na parede lá fora, apontada a poente, iam aproveitar. O problema era o cão que, a ser preso por causa deles, ia ficar justamente no caminho da dita...e com mau feitio, pois não gosta de estar preso.
- oiça - disse eu para o que não queria entrar - já lhe disse que ele, agora que o seu colega está do lado de cá do muro, não morde. E eu estou aqui, ele assim não faz mal, está a ver? Se eu prendo o cão, é pior.
O outro já lhe fazia festas, mas o primeiro, o mais novo, está quieto: entrou, mas ficou cosido ao muro e não havia meio de passar pelo cão.
O mais velho, encantado, amigo de cães de todas as raças e tamanhos, perguntava:
- Ele é novito, não?
- Sim, tem um ano e meio.
O Gastão aspirava-lhe as calças, de cima a baixo, a tentar captar todos os índicios estranhos, odores de outros bichos, uma cadela, um gato e sabe-se lá mais o quê.
Ainda renitente, o mais novo insiste:
- Mas pode deixá-lo preso, se calhar nem temos de ir aí à antena, sabe?
Pois claro, estava-se mesmo a ver.
- Como é que o senhor quer chegar à antena sem ir à antena?
O colega mais destemido ria, a fazer festas ao animal, depois de colocar o escadote nos degraus de pedra.
É que o raio da corrente estava-lhes no caminho e era o mais novo que tinha agilidade para subir lá acima.
- Já lhe expliquei que o cão solto fica mais feliz, ele só quer cheirá-lo, eu estou aqui, não vê que ele está a arfar e a abanar o rabo?
- Ó Mário, descontrai, pá, pois se a senhora está a dizer que ele assim não morde...
O mais novo suspirou, resignou-se às snifadelas do serra da estrela de 50 quilos e lá confirmou que o cão só pretendia andar por ali numa de estou-te a ver, mas está-se bem.
Nem sei como o desgraçado conseguiu, mas em 10 minutos arrancou-me os 40 euros, o nº de contribuinte e as rubricas e deixou todos os canais perfeitamente sintonizados. A isto é que eu chamo eficiência.
Dos técnicos da Meo...e do cão. Eles levaram uma gorjeta, o cão levou um biscoito.
Imagem: Gastão, o cão.
quarta-feira, 3 de novembro de 2010
A mosca
Tenta concentrar-se no que está a escrever, mas não consegue. Aquela mosca, que chegou há uns minutos, veio para ficar, instalando-se como uma amiga indesejada e inoportuna, daquelas que, por mais que enxotemos, acabam sempre por tornar a pousar na nossa vida: uma melga. Insiste em passar à sua frente, em colar as patas nojentas ao monitor, em aterrar em cima das palavras que ela já escreveu, esvoaçando nervosa, frenética, estúpida, confundindo-se com o cursor, confundindo-a. Pousa no teclado, na lâmpada do candeeiro, no "abat-jour", no F9, no "M", no Enter, no "Caps Lock". Ela suspende os indicadores e a raiva, para que a ideia não lhe fuja, o raciocínio não lhe escape. A mosca não quer saber, pousa-lhe nas costas da mão, no risco direito dos cabelos, no cheiro quente que exalam as raízes da sua cabeleira. A irritação provocada pela mosca que não sai, não há meio de sair. Ela apaga as luzes, abre a porta do escritório, acende as do corredor...e nada. Ao invés de sair, a mosca pára na escuridão, pois sabe que não pode voar às escuras e recusa-se a abandonar a sua missão: impedi-la de escrever.
Até que acontece. A mosca distrai-se, por fim. Talvez com uma qualquer frase a que achou graça, uma linha que a fez reflectir.
Então ela, que graças à raiva adquiriu o instinto de caça de um gato, num movimento impiedoso apanha o bicho desprevenido na tecla "X" - a tecla errada, minha amiga! - e zás! Ali fica, carregando com ódio no quadradinho minúsculo e cinzento, até a esmagar bem esmagada, assimxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx
Roubei a imagem aqui
terça-feira, 2 de novembro de 2010
segunda-feira, 1 de novembro de 2010
Halloween
O meu filho e a sua cara-metade, celebrando o Halloween. Qualquer coisa que eu escreva vai soar sentimentalóide. Por isso, não vou escrever mais nada, ok? Mas que são lindos, são.
Subscrever:
Mensagens (Atom)