quinta-feira, 2 de abril de 2009

O zero que não é zero

Recomeçar do zero. Que desperdício, que trabalheira? Não. Uma revelação que nos atira para um novo percurso. Evolução. Nível de exigência superior. Os zeros com que nos cruzamos a meio do caminho nunca são verdadeiros zeros, são antes zeros à direita.
Recomeçar.
Gosto de acreditar em recomeços: reescrever, refazer, revoltar, revirar, recuperar. Temos o trauma do palimpsesto (Nanã, esta é para ti): achar, à partida, que o que se esconde por detrás da obra é inegavelmente mais precioso. Porquê? E se o pergaminho que se desvenda for uma primeira tentativa cândida em relação à obra que se lhe sobrepôs, como quem varre o lixo para baixo do tapete?
E se, por outro lado, uma vez descoberta a nova obra, existir ainda uma terceira, que é, por fim, a Arte mais procurada?
Recomeçar a escrever. Do zero que não é zero, como quem raspa camadas de um velho pergaminho, buscando a sua essência. Escrever a partir de algo que aprendemos Hoje. A Verdade que estava lá, ocultada por camadas de tintas coloridas e didácticas. Confiar no primeiro instinto. Desprezar a segurança das velhas ferramentas (as instituições, a moral, o politicamente correcto) e escrever para si próprio, como quem escreve um diário que nunca será publicado. Dar um chuto nas regras, trilhar um novo caminho, sem rede, sem medo nem vergonha. De contrário, tratar-se-á de um embuste bem disfarçado, que resulta numa cópia insípida, incolor de tanta cor com que a enfeitámos; uma oferta inócua embrulhada em tanto lustro e laçarotes que, no fim, é inevitável a desilusão. Recomecemos, pois. Obrigada, Alice.
(Imagem: palimpsesto de Arquimedes, séc. II A.C.)

Sem comentários:

Enviar um comentário