domingo, 12 de abril de 2009

Domingo de Páscoa



Cresci na balbúrdia dos anos 70, em que as refeições em família constituíam, por si só, um acontecimento. Pai, mãe, cinco filhos (mais tarde também os namorados dos filhos, em dias de festa), cão, periquitos. Nos dias que precediam o Domingo de Páscoa, a minha mãe distribuía tarefas como um general bem treinado. Nós, os filhos, cumpríamos a nossa parte o melhor que sabíamos: arear pratas e cobres; aspirar; arranjar o jardim; cozinhar; lavar loiça; estender a enorme toalha de renda; limpar o pó; pôr a mesa...
Eu via surgir os serviços especiais (secretos?) dos armários, extravagantes, delicados e cheios de cor. A sala de jantar ia tomando forma: talheres alinhados como soldados prontos para o combate; guardanapos dispostos em leque; a longa mesa repleta de pilhas de pratos, bandejas, terrinas, molheiras; chávenas de porcelana tão fina como casca de ovo; em vez de dois castiçais, duas canecas em forma de frades franciscanos, recheadas de pascoínhas amarelas.
As pessoas a chegar, a excitação: o Zé e a avó Mimi, que traziam sempre um queque ou um bolo de arroz para o Suki, o cão; os tios, os primos, mais terrinas e pratos com doces e bolos da tia Luísa. Vestíamos a rigor, mas a minha irmã Sofia e eu acabávamos o dia perfeitamente descompostas, correndo pelas escadas, jardins e salas, a querer devorar cada minuto da festa. De barriga mais do que cheia, víamos desenhos animados do Tom & Jerry, do Bugs Bunny ou do Duffy Duck. O meu pai intercalava o seu cachimbo com a máquina fotográfica e nunca faltava a foto de grupo no terraço, para não nos esquecermos uns dos outros. Numa em particular, recordo um chapéu da Coca-cola, que tinha acabado de entrar no país, pelas mãos do tio Duarte, que a promovia. As recordações nunca se conseguem agarrar totalmente, pois as pessoas fogem das fotografias para outros lugares. O passado vai-se desvanecendo, sumindo com os seus contornos, para dar lugar ao Tempo e ao que este traz na manga. O grupo vai crescendo, transformando-se; os bebés de ontem são hoje homens de barba e os avós que julgávamos eternos já não surgem num wolkswagen cor de café com leite, com um saco de bolos na mão e a dádiva da sua presença. Ontem éramos nós que caçávamos os ovos de chocolate no jardim; hoje, os nossos filhos suspiram e dizem: "Ò mãe, já estou um bocado crescido para caçar ovos de chocolate, não achas?"
Sim, querida Meluxa, parecia tudo tão mais fácil, e o tempo, esse, tinha a benevolência de um santo. Eduquemos os nossos filhos para que também eles cultivem a importância dos encontros entre família: o privilégio de estar sentado defronte a uma mesa generosa, rodeados de riso; das histórias bizarras e distantes dos mais vividos e vivaços; de discussões da actualidade, que se acendem com vinhos e digestivos. Ressuscitemos a Páscoa para que, em 2010, eu não esteja aqui, a escrever a meio da tarde, mas sim em Sesimbra ou no Campo de Sant'Ana, a iniciar a reabertura da sessão gastronómica com um segundo prato de queijos e doces!

NOTA - À falta da foto em questão, encontrei uma imagem da criança que eu era, em 1977. Ah, saudosa e despreocupada infância...

5 comentários:

  1. Agora tenho um sobrinho que está a crescer a olhos vistos...A irmã do Rui, mãe da criança, já fala do futuro eminente de esconder ovinhos de Páscoa. Esconder, e já não procurar!E quando pego neste bebé ao colo, lembro-me do peso que a minha irmã Inês tinha e parece que foi ontem...
    Já está a ficar um bocadinho assustador...

    beijinhos!

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  2. Mafaldinha......
    Também tu já és uma "Senhora Dona Mafalda". Eu, uma Senhora Dona Tia avó :-O
    Não me lembro de te ter ao colo, mas lembro-me da Mafaldinha de kilt e meias até ao joelho :)) de mano Henrique ao lado, sempre muito "composto". Mais tarde a Inês veio completar o "British Trio"
    A Maria , ainda há pouco brincava às escondidas com a Inês. Agora,
    os namorados "empurram" sms's para lá, para cá...
    Um dia destes espero andar com um filho teu ao colo.
    Um bocadinho assustador, mesmo...
    Mas estamos por aqui. Que bom!
    Beijinhos da tia meluxa

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  3. Não percebo nada destas coisas, não me sei inscrever aqui, mas sou a sobrinha Rita!Vilhena!também quero partilhar a minha Páscoa e a da pequena Inês!
    No dia de Páscoa fomos procurar ovos com a Inês, na noite anterior estava irrequieta, ansiosa para que o dia seguinte chegasse. Na esperança de a acalmar e conseguir fazer dormir, disse-lhe que se tinha de deitar cedinho porque o coelho da Páscoa esconde os ovos mágicos da Páscoa enquanto os meninos estão a dormir “mana, mas o coelho sabe onde é a casa do meu amigo Gonçalo?” (a Inês tem momentos de generosidade imensa, costumam é ser breves… e raros!).
    Tão breve foi que logo a seguir perguntou “ ele vem primeiro á minha casa e depois á dos outros meninos não é?”
    Bem, respondi-lhe que sim, felizmente a Inês também já sabe o que é um GPS, portanto este também teve a honra de entrar na história.
    Na manhã seguinte bem cedo, lá fomos as duas (eu e a mãe) esconder ovos para a sala, a Inês estava delirante, e tivemos que repetir a proeza umas cinco vezes!!
    Eu também deliro, volto a viver estas coisas através da Inês, também está a crescer depressa, mas tenho esperança que daqui a algum tempo a Joana e o Tiago me tornem a mim e á Inês as titis mais felizes do mundo! =)

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  4. Querida Rita, bem-vinda a este blog! Adorei o teu relato e saber notícias tuas e da Nocas. As saudades são muitas. Se quiseres que os teus comentários apareçam assinados, digo-te o que já disse à Meluxa: vai a "seleccionar perfil", carrega em "Nome/URL" e escreve o teu nome. Se tiveres uma conta de Gmail, clica antes em "Conta do Google". Vai aparecer-te um código para reproduzires abaixo. Depois disso, carrega em "Concluir". Se falhar, insiste. Se tudo falhar, identifica-te no início, como fizeste aqui, ou assina no fim, que nunca falha! Um grande beijinho da titia (da minha parte, estou morta por ser avó, pois tia sou desde os 14 anos e com vinte e poucos já tinha onze sobrinhos! Vá, façam a vossa parte! Um abraço enorme

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  5. A querida mãe/cunhada/mana Sofia.....
    Não "diz" nada?

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