domingo, 26 de abril de 2009

Serradura

Mário de Sá-Carneiro faleceu em Paris, no dia 26 de Abril de 1916.
Deixo-vos na companhia de um poema que ilustra bem a época em que viveu e o estilo Modernista, que tanta poeira levantou no seu tempo.



A minha vida sentou-se
E não há quem a levante,
Que desde o Poente ao Levante
A minha vida fartou-se.

Da minha Alma estofada.
E ei-la, a mona, lá está,
Estendida, a perna traçada,
No indindável sofá


Pois é assim: a minha Alma
Outrora a sonhar de Rússias,
Espapaçou-se de calma,
E hoje sonha só pelúcias.


Vai aos Cafés, pede um bock,
Lê o "Matin" de castigo,
E não há nenhum remoque
Que a regresse ao Oiro antigo:

Quando eu mal me precate,
É capaz dum disparate,
Se encontra a porta aberta...

Dentro de mim é um fardo
Que não pesa, mas que maça:
O zumbido dum moscardo,
Ou comichão que não passa.

Folhetim da "Capital"
Pelo nosso Júlio Dantas
Ou qualquer coisa entre tantas
Duma antipatia igual...

O raio já bebe vinho,
Coisa que nunca fazia,
E fuma o seu cigarrinho
Em plena burocracia!...

Qualquer dia, pela certa,

Isto assim não pode ser...
Mas como achar um remédio?
Pra acabar este intermédio
Lembrei-me de endoidecer:


O que era fácil --- partindo
Os móveis do meu hotel,
Ou para a rua saindo
De barrete de papel

A gritar "Viva a Alemanha!"
Mas a minha Alma, em verdade,
Não merece tal façanha,
Tal prova de lealdade...


Vou deixá-la - decidido
No lavabo dum Café,
Como um
anel esquecido.
É um fim mais raffiné.
(MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO)




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