1. Culpa
O telefone tocou. Ninguém atendeu. Era tarde para desculpas. Há coisas que se dissipam no tempo de um adeus ou de um perdão. Perdoa-me, dizia a chamada que ela nunca atendeu. Volta, por favor, dizia a voz que não se ouviu. No tapete da sala jaz o corpo desistente, a mulher que, não esquecendo, foi incapaz de perdoar. Do lado de lá estende-se um fio imenso de culpa.
2. Perdida
Nunca passa fome. Vive da gratidão dos que, por vê-la, arranjam um pedaço de pão, um osso, uma casca de fruta, um biscoito. O nome por que é conhecida não faz qualquer sentido. Perdidos são os que andam sem consolo na vida, sem projecto nem futuro. É cadela rafeira, sim, mas tão orgulhosa que, quando a chamam pelo nome, não responde.
3. Em Má Hora
Chamou a Musa com todas as letras que tinha, a fim de entornar na página vocábulos saídos da boca das divindades para a mão do escritor. A Musa chegou mas com atraso. Quando se encontraram, já ele conduzia, a caminho do emprego. Foram encontrá-lo desfeito contra um poste, defronte a uma curva apertada. Os olhos abertos mostravam a expressão de uma epifania.
(a partir de Desafio "Chamada Perdida", até 300 caracteres, Grupo de Microficções, Facebook, Março 2013)
(a partir de Desafio "Chamada Perdida", até 300 caracteres, Grupo de Microficções, Facebook, Março 2013)
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