terça-feira, 5 de março de 2013

3 Chamadas Perdidas

1. Culpa
O telefone tocou. Ninguém atendeu. Era tarde para desculpas. Há coisas que se dissipam no tempo de um adeus ou de um perdão. Perdoa-me, dizia a chamada que ela nunca atendeu. Volta, por favor, dizia a voz que não se ouviu. No tapete da sala jaz o corpo desistente, a mulher que, não esquecendo, foi incapaz de perdoar. Do lado de lá estende-se um fio imenso de culpa.

2. Perdida
Nunca passa fome. Vive da gratidão dos que, por vê-la, arranjam um pedaço de pão, um osso, uma casca de fruta, um biscoito. O nome por que é conhecida não faz qualquer sentido. Perdidos são os que andam sem consolo na vida, sem projecto nem futuro. É cadela rafeira, sim, mas tão orgulhosa que, quando a chamam pelo nome, não responde.

3. Em Má Hora
Chamou a Musa com todas as letras que tinha, a fim de entornar na página vocábulos saídos da boca das divindades para a mão do escritor. A Musa chegou mas com atraso. Quando se encontraram, já ele conduzia, a caminho do emprego. Foram encontrá-lo desfeito contra um poste, defronte a uma curva apertada. Os olhos abertos mostravam a expressão de uma epifania.

(a partir de Desafio "Chamada Perdida", até 300 caracteres, Grupo de Microficções, Facebook, Março 2013)

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