Antigamente, quando alguém nos morria, ficavam as cartas e as fotografias. O amor e as recordações. E a saudade, claro, a amontoar-se por tudo e por nada. Até ir sendo dissipada pelo tempo, a ficar dia a dia mais leve, mais etérea. Até conseguirmos sorrir, ao pensar nesse alguém sem que as lágrimas nos viessem aos olhos. Quando muito, restava também o seu número de telefone numa qualquer agenda e, nesse caso, havia várias opções do destino: ou, nostálgicos, o deixávamos ficar, incapazes de riscá-lo, ou, na mudança anual de agenda, os mortos iam ficando para trás.
Agora não.
Agora o correio electrónico lembra-nos semanalmente do aniversário dos nossos mortos. E guarda zelosamente todos os emails trocados, num baú virtual que nunca iremos atirar para a reciclagem. Agora temo-los na agenda de contactos do telemóvel e não os conseguimos apagar. A culpa não nos deixa, iríamos sentir-nos cruéis, frios. E o número ali vai ficando, inútil e precioso.
E há os blogues: o blogue de alguém que já partiu como quem sai e deixa a porta aberta. Volto já. A data do último post vai ficando cada vez mais para trás, cada vez mais pretérita. A página de facebook ou do Twitter mantém-se, pois ninguém sabe nem quer saber a password. E não se desamigam os mortos. Não são spam. Não se denunciam. Não se bloqueiam. Continuamos a receber notificações sobre o movimento das páginas dos nossos mortos, onde um dia deixámos um comentário. No mural conjunto aparece-nos o quadradinho com a fotografia, sempre que alguém lá vai deixar um ramo de flores, um ai, uma canção, um abraço. Às vezes até lá vamos escrever também. Escrevemos aos nossos mortos na montra onde publicamos a nossa saudade.
E em tudo isto há um estranho consolo. Como se os nossos mortos fossem de todos e a vida não fosse exclusiva de ninguém.
Temos, hoje, túmulos virtuais onde depositar as flores... estas também virtuais. Apenas a saudade é real.
ResponderEliminarOh, Denise. É isso.
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