sexta-feira, 1 de março de 2013

Aspirações

Sexta-feira é o dia escolhido para fazer um lar da sua casa, que ao fim de semana recebe família e amigos. Sobe e desce as escadas, numa inevitável aula de step, percorrendo as várias divisões. A luz preciosa do sol vai mudando de posição e o balde, a esfregona e os vários produtos perseguem-na, encontrando-a incidindo nos azulejos, na tijoleira, nas madeiras, nos vidros da casa. O descanso vai sendo adiado, só falta acabar este chão, já agora, os vidros também, isto não pode ficar assim, olha uma teia de aranha, agora uma mancha aqui. E os trapos, as peças de roupa que é preciso lavar à mão, o cheiro doce do produto das lãs, a roupa de molho no alguidar encarnado, o perfume do óleo de cedro nos móveis renascidos, o aspirador sorvendo o pelo infernal do cão serra da estrela, o pano húmido passado em todos os frascos e frasquinhos da bancada de mármore, para quê tantos perfumes e cremes, tantos bibelots, tanto de tudo.
Os pés escada acima escada abaixo, os braços e as mãos espremendo produtos e panos, a boca em silêncio, os ouvidos que apenas escutam o som que fazem as coisas a ser limpas, os olhos talvez vazios, mecânicos; mas é ocupada nestas lides que pensa nas suas personagens, nos seus livros, enquanto, rindo, duvida que assim, ocupada em singelas tarefas domésticas, lhe surjam ideias para um grande romance. Julga que os escritores têm vidas grandes, aventureiras, sofridas; que não é no tubo de um aspirador ou nas dobras de um trapo que nascem literários enredos.

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