sábado, 29 de agosto de 2009

Cesto de papéis VI

"(versos) que falavam da alma das flores, da luz, de amor e união. Nessas semanas, no canto inferior esquerdo da primeira página, lia-se um pensamento profundo, que mais não era do que uma chamada de atenção, um memorando que pretendia tocar a consciência dos insulanos durante as viagens de M., para que eles se dedicassem a meditar um pouco nas coisas positivas, tornando-se mais fortes e confiantes. O feiticeiro sabia que a inteligência deles se rebelava à primeira oportunidade: bastaria abandonar o seu jardim, para logo as ideias agrestes despontarem, cercando os cantos."

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Regresso

Voltei. É tempo de correr contra o tempo, cumprir prazos pouco aprazíveis, entesourar as mãos e tesourar aquele que guardo no baú como um tesouro. Beijos para a Matilde, e titios Vasco e Rita. Festinhocas à Zug e à Bix (nada de fugir!). Foi bom. Havemos de repetir a dose.

domingo, 23 de agosto de 2009

silêncio

Caros blogueiros, vou estar sem internet durante uns três ou quatro dias. Peço que me perdoem este silêncio. Até lá, portem-se como quiserem...mas com respeito. Beijos

sábado, 22 de agosto de 2009

Os livros


Os livros nascem como esboços numa aula de desenho. O escritor, com o seu pincel, escolhe com que cores as irá prender, para sempre, à tela branca. Há livros cujas cores não se apagam dos nossos olhos, pois as suas tonalidades vieram, de alguma forma, ao encontro das nossas paisagens interiores, fazendo-nos descobrir algo de verdadeiro, algo que nos enriquece e desperta. É bom acordar nos livros e adormecer na companhia das suas paisagens em fundo virgem.
(roubei a imagem aqui: http://muraldosescritores.ning.com/

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Sol e doce de abóbora

O segundo dia sem carro, presa a este paraíso bucólico. O meu marido ausente, e eu sempre presente sob os tectos de pinho nórdico da casa, que me enfeita. Dediquei-me a ela durante a manhã, e ao sol durante a tarde. A buzina melódica e nervosa do homem das frutas e hortaliças soou ao cimo da rua, pontualmente: sexta, às seis. Regressávamos, eu, o Hugo e o Chico, da caminhada pelas redondezas. Entrei em casa para buscar a carteira, pois o senhor, ao contrário dos nossos queridos vizinhos, precisa de vender para viver. Comprei maçãs, bananas, alface e um bom pedaço de abóbora. Sem carro e sem manteiga, decidi fazer compota:
1kg de abóbora descascada sem pevides
750gr de açucar amarelo
canela q.b.
raspa da casca de 1 laranja
Uma hora e meia depois, a casa perfumou-se com um aroma doce e caseiro e eu sorri à ideia de amanhã iniciar o dia com um chá earl grey e tostas barradas com doce de abóbora feito por mim. Porque gosto da encontrar a vida assim, nas coisas simples.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Barbies sem bracinhos

Estava eu na minha missão de Tartaruga Ninja, cortando o meu livro à tesourada, quando a pequena Constança, ao meu lado, me força a um intervalo, para me contar esta curiosidade irresistível: lançaram no mercado uns matraquilhos feitos com barbies. Custam a módica quantia de dez mil euros. Ah, é verdade, e, por enquanto, só estão à venda em Paris. Pffff. Pronto, já sabem o que hão-de dar às vossas filhas este Natal. Pronto, estou a gozar. Ou não. Decidam vocês. Isto está tudo louco. Obrigada Constança, salvaste-me o post de hoje!

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Um dia na quinta

Depois de um salto à praia, seguimos para a quinta de uns amigos, que nos convidaram para um banho de piscina e peixinho grelhado. Depois do banho, apareceu o Serpa, um cãozarrão branco e dengoso, que parecia aparentado dos ursos polares. O Afonso sugeriu ao Hugo que fosse apanhar figos e eu, claro está, fui com ele. Levámos uma cesta, fizemos uma cama de folhas para os aconchegar e apanhámos os frutos que se soltavam dos ramos com uma lágrima de leite. Vi, pela primeira vez, uma nogueira carregada de nozes e espantei-me com o aspecto dos frutos que se escondem dentro de um casulo verde, como as castanhas. Ao lado, entre muitas árvores de fruto, havia romãzeiras. Fomos conhecer a vinha e a casta francesa (cujo nome não recordo, confesso), com os seus cachos de uvas pequeninas tão compactas, que pareciam massarocas de milho. Eram deliciosamente doces. Em contraluz, já o sol se deitava, o Serpa ameaçava subir o monte e escapar-se, para ir namorar outra vez:
- Serpa, anda cá, toma!
E ele vinha, contrariado.
Fomos buscar lenha, para grelhar o peixe. Entrada de queijos deitados em pão saloio e compacto, daquele que faz barulho a cair no estômago. A acompanhar, o vinho branco, verdadeiro néctar, feito pelo Pedro, enólogo de profissão, e filho dos nossos amigos Afonso e Teresa, donos da quinta. Discutiram-se os planos para a exploração da propriedade de 18 hectares, a política do presidente da câmara, e alguns assuntos da actualidade. Rematei o jantar tardio com alguns figos colhidos por nós e um pouco de marmelada caseira. Quando demos pelas horas, eram três da manhã.
Viemos embora com uma enorme saca de batatas e com os figos, claro.
Obrigada, Teresa e Afonso, e parabéns pela escritura!

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Chico Esperto

O dia começou com a nossa campaínha a tocar insistentemente. Eram sete a tal da manhã. Fomos à janela e não vimos ninguém. Ò Diabo, o que era aquilo? Do terraço, olhando para cima, os cães ladravam-nos, como quem diz: "vocês aí, já que estão a pé, deixem-nos entrar!"
Quando fomos lá fora, o meu marido reparou no botão da campaínha e na área circundante da parede: tinham marcas de terra, sob a forma de patas caninas. Estava esclarecido o mistério: quem tocou à campaínha, foi o Chico, que é, por enquanto, o mais alto! E esta, hein?

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Subtilezas da cultura

O meu filho chegou de NY este fim de semana e hoje contou-me algumas das experiênvias pelas quais passou nestas 3 semanas. Tudo fantástico, tudo maravilhoso... ou quase. Certo dia, ele e o primo saíram com duas meninas de idade aproximada à deles (também "teens") e às tantas perguntaram-lhes: "vocês têm televisão...?". Das duas, uma: ou eram mesmo burras, ou nós somos tão insignificantes no mapa-mundi, que a ideia que os americanos têm de nós é a da que vivemos no século XIX. Não, não, deviam ser mesmo de inteligência escassa, pois quando uma delas arrotou e o Sebastião, muito diplomata, a desculpou dizendo, a título de curiosidade, que na cultura marroquina o arroto é considerado sinal de satisfação à mesa, e mesmo de boa-educação, acusaram-no logo de ser "nerd". Ya, seria muito mais "cool" ele desatar a arrotar também e fazerem concursos de arrotos. Aí sim, seriam considerados interessantíssimos e muito recomendáveis. Não há pachorra.

domingo, 16 de agosto de 2009

sábado, 15 de agosto de 2009

Crónica de Alice Vieira

Como discordo deste excesso de informação e de alarmismo em que vivemos hoje, não resisto a publicar aqui a crónica da minha amiga Alice Vieira, que saíu hoje no Jornal de Notícias:

"A minha quase gripe
00h00m
Com esta paranóia da gripe, qualquer ponta de febre que se tenha nos parece de imediato os 40 graus que é suposto a gente ter quando ela ataca. Até eu - que me gabo de não me deixar influenciar- vi-me um dia destes, às quatro da madrugada (mas sem passarinhos a cantar) a ligar para a Linha-24, convencida de que ia engrossar as estatísticas. Porque, com as rádios e as televisões a divulgarem constantemente os casos que vão aparecendo - e é mais um nos Açores, e mais três no Algarve, e a creche que fechou e a que vai fechar - a gente de repente tem a certeza de que a gripe já entrou na nossa casa, ó para ela a subir as escadas do nosso prédio, e agora é a vizinha do 1.º, depois a do 2.º, e de nada vale a gente tentar ser racional e pensar que não é possível porque está tudo de férias e não há ninguém no nosso prédio.
Então lá estava eu ao telefone a debitar os meus sintomas, e a enfermeira (cujo nome não recordo, com muita pena, porque aquela conversa foi das poucas coisas boas que me aconteceram nestes últimos tempos) a acalmar-me, sobretudo porque a todas as perguntas que me ia fazendo, eu ia respondendo que não: não, não tenho dores de garganta, não, não tenho o nariz a pingar - e, sobretudo, não, não tenho febre.Foi então que a enfermeira, com paciência evangélica, me disse uma frase que há-de ficar para todo o sempre na galeria das frases que mais marcaram a minha vida: "nem todas as gripes são gripe A; nem todas as viroses são gripe" E ,se calhar porque já não sabia que mais dizer, perguntou : "Por acaso esteve ontem com muita gente?" Tive de confessar que tinha estado rodeada de meia Lisboa, aos abraços e beijos a meia Lisboa, a chorar nos braços de meia Lisboa, e que um enterro de um amigo não é lugar ideal para se fugir de contágios.
De qualquer maneira a enfermeira garantia que, se fosse mesmo gripe A, a febre já estaria a trepar pelo termómetro e não se ficaria pelos míseros 36.5, que era o máximo que eu conseguia atingir. Mas ela era rigorosa (ó que bom, haver neste país alguma coisa que funciona bem, mesmo às quatro da madrugada!), e perguntou: "Tem feito muitos esforços ultimamente?"
Explico-lhe o que tem sido o meu ritmo de vida nos últimos meses e ela acaba por descobrir o que realmente determina aquele terrível cansaço, aquelas terríveis dores no corpo todo: "o que a senhora está é cansada!" E de repente a voz do meu querido amigo Raul salta para o meio da nossa conversa, naquela sua magnífica "Ida ao Médico" ("Tussa! O que o senhor tem é tosse!"), e os ben-u-rons ficam à espera de serem necessários, e a paranóia acalma, e a madrugada enche-se de gargalhadas e, pelo menos por enquanto, a gripe ainda não entrou no meu prédio. Acho que tem medo de gargalhadas."

(ALICE VIEIRA, IN "Jornal de Notícias")

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Missão Impossível

Estou numa corrida contra o tempo, que se escapa por entre o sol, os amigos que chegam, os caprichos dos cães, a minha preguiça, as tarefas domésticas e coisas ainda menos interessantes. Disponho de duas semanas para cortar 144 mil caracteres e o meu filho chega de NY neste fim de semana e tenho estas saudades todas para matar. Socorro, parece-me uma Missão Impossível. Fica aqui o video do esquilo, para descontrair. É como me sinto.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

O mercado veio à nossa casa

Está uma pessoa a trabalhar, muito concentrada, e os cães ladram. Aparecem duas crianças bem educadas e gentis, que já conhecemos bem, e que nos enfeitam a casa com a sua simpatia de sempre. São netas de uns vizinhos nossos e trazem oferendas agrícolas. Vem tudo numa cesta de verga: pêssegos, beringelas, tomate, nabos, nabiças, malaguetas. Assim, de oferta, só por sermos amigos. Que se quisermos ou precisarmos de mais alguma coisa (alfaces, peras, uvas...), é só aparecer. Entretanto, a Bé diz que vai começar a fazer compotas de fruta para o Natal e não só, já se sabe. Na brincadeira, diz que já chamam à casa "Herdade do Segredo", e bem merece o título.Ah, os prazeres da vida no campo...!
Volto ao trabalho com as mãos perfumadas e os olhos cheios de cores da terra. Obrigada à Bé e ao Zé Manel. Obrigada ao Tomás e à Constança, pelo serviço de entrega. É bom ter vizinhos assim!
(FOTO: tirada pelos próprios, e enviada por email, em jeito de publicidade)
PARABÉNS AO MICAS, QUE ESTÁ EM NY, E QUE HOJE FAZ 10 ANOS! BEIJOS DOS TIOS VERA E NANÃ!
(FOTO: in locco, com o meu filhote, hoje mesmo. Viva a tecnologia!)

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

A consciência à perna

O sol, esse cúmplice da minha preguiça, não teve raios a medir. Eu a insistir com ele, que não podia ser, que tinha a consciência à perna, a mandar-me para o computador trabalhar na edição do livro, e ele a insistir, sedutor, implacável. Venceu-me. Fechei a consciência num quarto escuro e fugi na sua direcção. O nosso amigo Zé esperava-nos, cúmplice do sol, ele também, de sardinhas de um lado e uma dourada do outro (para mim). Dourei-me por fora e por dentro, depois de um pouco de salmão fumado e espumante. Passámos ao vinho branco ("Uvas Douradas", um verdadeiro complot) e concluímos o repasto com uma fatia de gelado e outra de hapfelstrudel e café. Pedi licença ao corpo para o mergulhar lentamente na água azul-turquesa, a 26 graus, e ele consentiu.
Chega, oiço a consciência prestes a arrombar a porta.
São horas de libertá-la e de fechar a preguiça à chave, agora tu, para aprenderes. Mãos à obra, de espada na mão, de regresso à missão de tartaruga ninja: cortar os cerca de 100.000 caracteres que ainda faltam para cumprir o objectivo. É importante termos objectivos e, já agora, cumpri-los.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Encontros inesperados


Neste dia de verão perfeito, em que o calendário cumpriu a rigor a sua função, aproveitámos para ir à praia. Demos com um velho colega das lides musicais, que ia acompanhado das filhas (lindas! Umas queridas!) e depois de uma amena cavaqueira banhada pelo sol e pela maresia, combinámos umas bebidas refrescantes na nossa casa. Tiraram-se fotos, petiscou-se, bebeu-se. A Luz, com 9 anos, apaixonou-se pelo Gastão. Sentada ao meu lado no baloiço, com o Gastão ao colo, teve esta conversa:
- Sabes, o meu pai vai ter de combinar jantar em qualquer lado...
- Pois é... (sorriso meu)
- Vocês também vão jantar, não é?
- Sim, claro. Queres jantar cá?
- Quero! Tens de perguntar ao meu pai, mas é que eu não me quero separar do Gastão!
A franqueza desarmante das crianças, o talento para irem directamente até à Casa da Partida, sem receber dois contos, ou seja, sem passarem pelo filtro social. Ficaram. Jantaram. Comemos e bebemos outra vez, à luz das lamparinas e ao som dos grilos. Rimos, trocámos histórias, o encontro prolongou-se até à velocidade da Luz (a mais nova, que tem de deitar-se cedo) e despedimo-nos satisfeitos. Nunca é de mais repetir: é bom receber os amigos.
Beijinhos ao Luis Pedro, à Maria e à Luz. Felicidades para esta família de artistas.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

A foto


Aqui está a foto prometida. Falta o Rodrigo, que está atrás da máquina...

workshop de fotografia

Photo by: Nanã Sousa Dias

Estão abertas as inscrições para um workshop de fotografia com NANÃ SOUSA DIAS, para os próximos dias 15 e 16, na zona da Ericeira. Aproveitem, inscrevam-se ou passem palavra aos interessados.
Para mais informações, vão ao link abaixo. Boas fotos!

http://www.facebook.com/home.php#/profile.php?id=1015105553

domingo, 9 de agosto de 2009

O fim da festa

Ontem encerrei os festejos dos 40 anos rodeada pela minha família. Apesar de algumas ausências, foi divertido, comeu-se e bebeu-se bem, as oferendas foram maravilhosas e o tempo, se bem que um pouco ameaçador, só nos deu uma rosnadela, sem chegar a morder. Seria lindo, 22 pessoas na nossa sala... A fotografia de grupo virá em breve, prometo.
Depois de todos partirem, pusemos a casa em ordem, fizemos um último brinde com um excelente rosé, vimos "A Vida de Uma Abelha" do Seinfeld e um filme sobre a vida do trompetista cubano Arturo Sandoval (Andy Garcia) e acho que desmaiei no sofá, para só acordar às 3.40 da manhã. Como diz o Chico, foi bonita a festa, pá.
Obrigada a todos por terem vindo.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Entrei nos "entas"

Hoje guardei a pena na gaveta. Estou agarrada a responsabilidades mundanas, como organizar um almoço para 22 pessoas, que acontece amanhã. Ontem completei quarenta anos.
40
O número é maior do que eu, mas vamos ter de encontrar uma forma de convivermos juntos, dentro de mim.
O meu filhote, a P. o Sacho e o Micas ligaram-me duas vezes de NY, a cantar-me os parabéns: à hora de lá e à hora de cá. É uma boa sensação.
Obrigada pelos parabéns de todos!
Foi bom ter a família a almoçar cá em casa ontem, bem como o jantarinho original e animado no Campo de Santana (parabéns Rita, minha colega de aniversário!). Amanhã encerram-se os festejos cá em casa, com a outra parte da família, por isso tenho de fugir daqui, ir comprar mantimentos e agarrar-me aos tachos. Já fui.


quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Tatuagem

Há palavras, memórias e sentimentos que ficam como que congelados, a sobrevoar os efeitos do tempo, com orgulho, imunizados pela força de terem tido vida própria nos dias em que éramos jovens. Nunca mais se vivem dias assim. Crescemos, transformamo-nos, a vida dá-nos outro olhar sobre o presente, enquanto o passado fica aninhado na pessoa que éramos, como uma tatuagem, que se agarra à pele.
/
CHICO BUARQUE - RUY GUERRA, 1973)
Quero ficar no teu corpo feito tatuagem
Que é pra te dar coragem
Pra seguir viagem
Quando a noite vem
E também pra me perpetuar em tua escrava
Que você pega, esfrega, nega
Mas não lava
/
Quero brincar no teu corpo feito bailarina
Que logo se alucina
Salta e te ilumina
Quando a noite vem
E nos músculos exaustos do teu braço
Repousar frouxa, murcha, farta
Morta de cansaço
/
Quero pesar feito cruz nas tuas costas
Que te retalha em postas
Mas no fundo gostas
Quando a noite vem
Quero ser a cicatriz risonha e corrosiva
Marcada a frio, e ferro e fogo
Em carne viva
/
Corações de mãe
Arpões, sereias e serpentes
Que te rabiscam o corpo todo
Mas não sentes.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Um encontro com o sol

Hoje encontrei-me com o sol. Estendemo-nos os dois, eu sobre a toalha cor-de-rosa, ele sobre mim. Ao longo de várias horas, foi-me escrevendo na pele, narrando-se em ondas de calor. Eu escutei-o, tentando não perder aquelas palavras feitas de luz. Virei as minhas páginas, para me tornar num livro dourado. O corpo pediu uma pausa e eu acedi, cerrando os olhos da pele. A água fria meteu-se no meio, a apaziguar-nos os excessos, devolvendo-me ao corpo a temperatura. Os cabelos aclararam, a pele amorenou-se, como se o sol desejasse transformar-me num negativo de mim própria, invertendo-me as cores. O encontro terminou quando ele, esgotado, se foi retirando de mim, para esconder os raios mornos entre a folhagem dos pinheiros. Disse-lhe adeus, com um lamento. Marcámos novo encontro para amanhã. Será que ele vai comparecer?

domingo, 2 de agosto de 2009

Cesto de papéis V

"Como crianças, os ilhéus filosofavam, transformados em grandes devoradores de perguntas. Na vida quase perfeita que haviam levado até ali, jamais tinham sido tocados pelo sofrimento a que estava sujeito o Outro Mundo, tão defeituoso. As advertências gritadas por E. e M. de pouco ou nada serviram (...). Onde quer que estivessem, e fosse qual fosse a tarefa que tinham em mãos, as almas alimentavam-se de cores tão vivas e puras, que inventavam a sua própria receita para a felicidade. Os factores externos da existência eram meros pormenores. A vida de cada um era um eco da sua maneira de estar e esta, por sua vez, um reflexo do que lhes ia no coração. "

sábado, 1 de agosto de 2009

Cesto de papéis IV

Com a chegada da chuva, que remédio senão trabalhar. A vida lá fora ficou literalmente "de molho". Retomei, pois, o trabalho de tesouradas (tesouraria?).
Aqui fica um retalho:

"Depois havia um novo conceito que constituíra uma revelação para os ilhéus e no qual Grimela pensava às vezes: além de nomes, os mutantes acumulavam e contabilizavam os anos e as estações, para não perderem a conta à “idade”.
Dividiam-na por escalões e, consoante aquele a que pertenciam, podiam usufruir de certas vantagens, ou, pelo contrário, ficar limitados por ela: o acesso a certos lugares podia ser-lhes vedado: se um jovem não possuísse um total de dezoito anos de experiência no mundo (mesmo que fosse muito bem comportado), as autoridades desses lugares não o deixavam entrar e essa era uma das razões porque os jovens tinham pressa de crescer. Quando já estavam no escalão adulto há muito tempo, começavam a murchar e então eram chamados de “velhos”; mas como essa designação era sinal de desrespeito, referiam-se a eles como “os de terceira idade”, os “idosos”, ou ainda “gente já de certa idade” (subentendendo-se que certa queria dizer muita."