Às cinco e meia da tarde, os músicos ensaiavam instalar-se no palco minúsculo. O salão bocejava, vazio, à espera dos convidados. A Teresa lançava ordens à esquerda e à direita, "tira um lugar à mesa oito!", "põe mais um lugar na mesa três!", exalando aquela presença de quem está ali para o que der e vier, qual general norteando o seu regimento. O Nuno corria sérios riscos de tocar contrabaixo à beira do pequeno jardim barroco, recuando à medida que se instalavam cabos, estantes, amplificadores, tripés e microfones.
Lentamente, familiares e amigos foram despertando as paredes da sala. Revi alguns rostos, cumprimentei outros tantos que não reconheci, confesso. O trio inundou o salão com compassos de jazz, enfeitando as conversas que se atropelavam e interrompiam, no calor do reencontro.
Os convidados arrumaram-se nas mesas, recebendo as iguarias que o aniversariante havia preparado para eles, em celebração de seis respeitáveis décadas neste mundo. À medida que o vinho corria, ia engordando o burburinho. O dia era de festa, porque não rir, recordar velhas aventuras ou partilhar vidas que andavam tão afastadas umas das outras? Por fim, de corpo satisfeito de requintes, a música chegou outra vez. Com graça e elegância, o Rodrigo agradeceu e anunciou a cereja sobre o bolo, terminando com uma frase provocatória e bem-humorada:
- Chega de artistas na família…! – Como quem diz, por favor, sejam mais normais e tenham juízo.
E nós, os artistas sem juízo, com corações feitos de melodias, ritmos e versos, oferecemos as nossas vozes versadas e debutantes, cruzando gerações e dando o melhor de nós aos que nos escutaram com espanto. Se foi perfeito? Não, claro que não - não fosse este um encontro feito de improviso, impulso, insegurança e da timidez de quem dá os primeiros passos ou tem a responsabilidade comovente de passar um estandarte. Mas a ternura e a alegria venceram, piscando-nos um olho cúmplice. O jazz e a bossa-nova deram lugar à distorção das guitarras e ao rock, dominado pela presença surpreendente do Vasco e da sua banda, que terminou a actuação com o Chico Fininho. O Henrique deslizou para o computador e assegurou a noitada com um lençol de música irresistível, que pôs muitos a gastar a sua reserva de energias.
No dia seguinte, acordei a uma hora tardia e vergonhosa, com o cansaço ainda colado ao corpo. Porém, ao relembrar pedaços da noite, que ainda respiravam com compassos de jazz, abraços e acordes rasgados da “Catarina”, não pude deixar de sorrir. Há cansaço que nos cansa e cansaço que descansa. Este, feito de tantas iguarias, música e movimento, fez-me dançar por dentro, enquanto passava o rosto por água fria e cantava: “Heaven, I’m in heaven / And my heart beats so that I can hardly speak...”. Parabéns, Rodrigo, pelos 60 anos e obrigada por uma festa tão generosa. Foi bom. Um beijinho muito especial ao Gugas, à Inês, ao Vasquinho e à Maria. E à Inês peço que me perdoe, pois surripiei-lhe estas belas fotos a partir do facebook! Agora olha, ficaram no espólio da família, Hehehe...!
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