Tinha chovido a noite inteira e o temporal não me deixara dormir em paz. A minha vida andava em banho-maria, tudo pendurado, sem seguimento nem solução; os problemas a multiplicar-se, como ervas daninhas. Estava farta. Hoje não faço nada, não quero saber, pensei. Fico em casa, que se lixem. Resolvi dedicar-me às arrumações. Com o mau humor com que eu estava, seria o dia ideal para me ver livre de um monte de tralhas e arranjar espaço. Isto vai, isto vai, isto vai…tudo fora. Por algumas horas, mais não fiz do que executar os gestos de uma pessoa normal, medíocre. Como a pessoa que eu era até esse dia. Quando remexia numa pilha anónima e caótica, coberta de poeira e teias de aranha, encontrei uma lamparina e puxei-lhe o lustro, com fúria e um sorriso algo sarcástico, confesso. Um génio saiu, como não podia deixar de acontecer, e postou-se à minha frente. Não, não fiquei toda contente, pelo contrário. Quando o gajo apareceu, senti um cheiro horroroso, como o de alguém que não toma banho há que tempos e achei insultuosa aquela invasão de propriedade. Ok, era um génio, porreiro e tal, mas podia ter-se lavado antes, ou não podia?
- Porque me libertaste... - disse ele.
- Sim, sim, já sei, três desejos.
- Eeh...não. UM desejo. Apenas um.
- Então, mas… não eram três?! Aaii…
- Eeeh...não. Deve estar a confundir-me com outra história qualquer.
- E que merda é essa de começar as frases todas por “eeeh…..”? Não vê que isso é irritante? Que é isso do “eeeh…”?!
- Eeeh…
Respirei fundo.
- Ok, deixe lá. Bom, quantos desejos são, afinal?
- Eeeh…um.
- Mas isso é uma vigarice, ouviu?! Como é que esperam que uma pessoa concentre num desejo só tudo aquilo que quer da vida, diga-me lá?! É sempre a mesma coisa! Uma pessoa farta-se de trabalhar, o dinheiro não chega para nada, não vale nada, espremem-nos até ao tutano com leis idiotas, impostos e o diabo a sete, e quando chega a hora, não há nada para ninguém! As reformas uma miséria, a corrupção está em todo os lado, a começar por cima, a justiça é o que se vê, a educação…
Eu ia lançada, ficaria ali a resto do dia a descarregar a minha fúria naquele idiota, mas ele interrompeu-me:
- Olhe, desculpe, mas não tenho o dia todo. Afinal, o que é que vai ser?
O estúpido falava como se eu estivesse à frente do balcão de uma pastelaria. Era mesmo de amador, aquilo, o raio do génio era mesmo mau. Foi então que tive um instante de clarividência, uma verdadeira epifania:
- Ai é? Então já sei! Quero que TODOS os meus desejos se realizem.
Irritado, o génio rosnou, lançando os braços ao ar, em desespero, e fugiu a voar. Assim, sem um adeus.
Nunca ninguém se tinha lembrado dessa? Azarinho, temos pena. Até hoje, o tipo nunca mais me apareceu. A bem dizer, não me faz falta nenhuma. Para mau génio, basto eu.
Que fixe! Bem feito para esse génio de meia tigela, que só concedia um desejo!
ResponderEliminarAinda bem que gostaste! Se suprimires o palavrão, podes sempre usá-la com os teus queridos alunos, nem que seja numa pequena encenação bem-humorada de Natal, ou para eles ilustrarem.
ResponderEliminarUm grande beijinho,
Vera