sábado, 27 de dezembro de 2014

In a better world (2010)

 
Comovente, dramático, intenso. Nele encontrei o que de mais puro existe na humanidade, na raiva, no arrependimento, no perdão, na amizade. No amor. Imperdível. É falado em sueco, mas mal reparei nisso, confesso. Aviso à navegação: final feliz.



quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Desejos



Em jeito de oferenda natalícia, no dia em que celebramos o nascimento do menino Jesus...
 
«A Casa suspirou, abrindo fendas minúsculas nas paredes. Aqueles seus olhos insatisfeitos pareciam não lhe pertencer. Também ela sabia que o mundo era maior do que aquilo que podia observar a partir das suas janelas, pois escutara os relatos de viagens que os donos realizavam, quando a encerravam durante muitos dias e muitas noites. Por mais que a vida do jardim se modificasse à passagem das estações, não parecia suficiente; por mais contacto que tivesse com pessoas distintas e testemunhasse o crescimento das crianças, o lugar era sempre o mesmo. Era a sua casa. E na verdade seria assim tão terrível pertencer a uma casa, a um lugar seguro?
            Como eram ingratos, os seus olhos, pensava a Casa.

            A Janela, porém, não se conformava com a sua imobilidade.
À noite, sonhava em partir, como tapete voador quadriculado, sobrevoando outras casas; as torres das igrejas, lagos e planícies; cidades modernas e bem iluminadas; florestas e desertos; aldeias paradas no tempo. À hora em que todos dormiam e a escuridão brilhava lá fora, no esplendor das suas trevas, podia apenas imaginar, sob as pálpebras cerradas, que percorria esses lugares encantadores.
Por vezes, a Janela da Casa perguntava à Lua:
− Tu, que tens um corpo de redonda luz, que vês quando a Noite vem?
E a Lua, inchada no seu orgulho, sempre respondia:
− Tudo vejo em sombras tingidas de azul. Mas o que mais admiro, é o meu corpo de prata, estendido sobre as águas negras.
            Como era vaidosa, a Lua, pensava a Janela.»
(© Vera de Vilhena, excerto inédito, in "O jardim dos desejos) 
FESTAS FELIZES PARA TODOS

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

David Lodge

Já li várias obras de David Lodge, um dos meus escritores preferidos. «A Vida em Surdina» só veio confirmar a impressão que tinha. Esta é uma história apresentada de forma inteligente, divertida, desconcertante, por vezes e, no que respeita à relação de Desmond Bates, o protagonista, com o pai (de contornos bastante autobiográficos, como o próprio admite na nota de autor) comovente, em especial no fim. Tânia Ganho está de parabéns, como tradutora, sendo que este livro, em particular, deve ter constituído um desafio, a par com a diversão por criar equivalências em português, para dar resposta aos muitos trocadilhos. O tema da surdez e o constrangimento que pode provocar a nível social, e não só, vieram ao encontro de situações com as quais eu mesma me tenho deparado, a par dos meus problemas de visão. A vida académica como pano de fundo, um dos cenários em que se desennrola a acção, é já tema recorrente nas obras de David Lodge, compreensivelmente, já que o autor, doutorado na Universidade de Birmingham, leccionou Literatura Moderna Inglesa até 1987, até optar por se reformar antes do tempo previsto, para se dedicar em exclusivo à escrita. E ainda bem para nós que o fez, pois a sua carreira é admirável e os seus livros um prazr para os leitores que apreciam também, como eu, um tipo de escrita moderno, que surpreende.
 
Sinopse
 «Quando decide pedir a reforma antecipada, o professor universitário Desmond Bates nunca pensou vir a sentir saudades da azáfama das aulas. A verdade é que a monotonia do dia-a-dia não o satisfaz. Para tal contribui também o facto de a carreira da sua mulher, Winifred, ir de vento em popa, reduzindo o papel de Desmond ao de mero acompanhante e dono de casa. Mas o que o aborrece verdadeiramente é a sua crescente perda de audição, fonte constante de atrito doméstico e constrangimento social. Desmond apercebe-se de que, na imaginação das pessoas, a surdez é cómica, enquanto a cegueira é trágica, mas para o surdo é tudo menos uma brincadeira. Contudo, vai ser a sua surdez que o levará a envolver-se, inadvertidamente, com uma jovem cujo comportamento imprevisível e irresponsável ameaça desestabilizar por completo a sua vida.»
Para mais informação, espreitem a crítica do New York Times

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Sangue e poesia II

 
(Conclusão da crónica iniciada ontem)
Foram-se ambos, marido e carteiro, no Smart, rumo ao hospital. A mota ficou junto ao portão. O Gastão tomou um segundo pequeno-almoço, depois do aperitivo. Arfava, satisfeito, de consciência tranquila por uma manhã produtiva de trabalho. Comeu com sofreguidão, de apetite desperto pela degustação do sangue, e foi ladrar mais um pouco à mota, cujo cheiro, que sentia do lado de cá do portão, lhe espicaçava a raiva antiga pela classe.
Só então fui ver o que o carteiro me trouxera: sempre eram os livros. Doze exemplares do «Fora do Mundo». O papel pardo algo manchado, com remetente "Legendas e reticências", contendo os meus livros de poesia, corados de vergonha, por terem sido a causa do transtorno.
Às tantas os homens regressaram. Veio uma carrinha dos CTT. O Sr. Jorge, a vítima, de mão ligada.
- Levou pontos? - Perguntei ao Nanã.
- Não. Não dão pontos com mordidelas de cães.
Fazia sentido. Não fosse infectar.
O colega do Sr. Jorge e o meu marido puseram a mota no interior da carrinha, não sem dificuldade. O carteiro a querer ajudar, de mão ligada e dorida.
O Gastão preso no estendal, estranhamente calmo, talvez com pena do homem, que até é bem simpático.
O Sr. Jorge irá ficar uma semana de baixa, pois não pode conduzir.
- Olhe, dona Vera, é da maneira que aproveito para comprar os presentes de Natal com mais calma.
Mas que homem é este? Um santo? Um anjo?
Não, é só um carteiro.
E ainda maldizem o atendimento nos serviços públicos.
Não me canso de repetir: tenho um imenso respeito pelos carteiros e hoje mais ainda por um em especial: o Sr. Jorge.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Sangue e poesia I

(Iª de 2 partes)
O meu marido foi à janela. O carteiro trazia qualquer coisa, uma encomenda que precisava de assinatura.
- Estás à espera de alguma coisa?
- Não - Disse eu estremunhada - Ah, sim, devem ser os livros da Poética. 
Ele desceu. Eu fiquei na cama, entregue à preguiça, até porque tinha ficado a ler até ao fim "A vida em surdina", do David Lodge, com insónia, até quase às 6h da manhã.
Os cães não paravam de ladrar. Normal, tratando-se do carteiro, um ódio de estimação, especialmente do serra da estrela cá de casa, o Gastão. Pouco tempo depois o marido subiu ao quarto.
- Vais ter de te levantar. O Gastão mordeu o carteiro na mão. Vou ter de ir com ele ao hospital.
Assim começou o nosso dia.
Já com um lenço agarrado à mão, o jovem carteiro caminhava para um lado e para o outro, visivelmente nervoso, com a adrenalina em alta, amparando a mão, que pingava.
Sugeri que entrasse, enquanto o meu marido se preparava para sair; ofereci-lhe um chá, água oxigenada. A tudo ele disse que não, que não era preciso. E sempre a sorrir. Até teve humor suficiente para pedir desculpa, por estar a sujar o chão da entrada.
Eu consternada. Aflita com a situação. Às tantas era ele, mais calmo, que me tentava acalmar a mim: 
- A culpa foi minha, sabe? Ele está a fazer o papel dele, eu é que invadi o território dele. Ainda por cima tinha o dono ao pé, estava a protegê-lo, é normal, dona Vera. Eu gosto muito de cães, sabe?
A mão pingava.

domingo, 7 de dezembro de 2014

BBC Music

Um tema dos Beach Boys (1966) usado para celebrar o lançamento da BBC Music. Quanta abundância....! Está fantástico.

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Dois Mundos

«Caminhando, chegam-me lanças de luz
Entre os ramos dos pinheiros.
O vento traz-me ondas de incenso
Composto de folhas frescas
Que um agricultor vai cremando.
O verdor da salsa, a emoldurar as bermas da estrada,
Serpenteando e descendo,
Inunda-me as narinas e abre-me o apetite
Por alimentos frescos,
Temperados com azeite maduro
E vinagre de frutos vermelhos.
Há pombos atravessando-se diante dos meus olhos,
Recolhendo-se ao pombal da D. Alberta.
A tarde finda.
Os meus passos acontecem
Ao ritmo de um Tony Bennett,
Na surpresa de tantos duetos tardios.
Na sombra, arranco, à passagem,
Fragmentos de cedros,
Que esfrego nas mãos enquanto um melro me olha,
Calando a melodia e dançando
Sobre as flores silvestres.
Tenho paz neste meu isolamento.
Não estou longe do mundo –
– este é apenas o meu mundo.
Preciso de me lembrar,
Como quem anota uma tarefa num post it:
Visitar o outro mundo de vez em quando.»
(© Vera de Vilhena, in "Fora do Mundo", Poética Edições, 2014)

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Sentir tudo outra vez


Quando era miúda tinha uma solução fácil: voltava ao princípio, à 1ª página, para sentir tudo outra vez. Não é o que fazíamos todos nós, que sempre amámos os livros? 
Depois crescemos e achamos que temos de ler outros livros. Muitos livros. Quando somos novos temos todo o tempo do mundo, ele nem existe, por isso podemos voltar ao princípio quantas vezes desejarmos, até que o tempo venha dizer-nos que chegou...como quem ralha:
- Chega! Lê outro. Está na hora de pegar noutro e deixar esse descansar dos teus olhos.

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Nevoeiro


O farol, o nevoeiro

A Ericeira banhada em nevoeiro.
A paisagem, tornando-se leitosa,
Esfuma-se na linha do horizonte;
A terra unindo-se ao céu,
Envolta num lençol translúcido
Onde as formas se perdem,
Ganhando ares de mistério.

Filmei as pás das enormes ventoinhas
De energia eólica, sumindo em neblina.
Apenas o longo tronco dos moinhos se erguia
Rumo ao céu.
As pás girando, invisíveis, arranhando
Surgindo apenas num instante,
Prestes a roçar o chão,
Para logo sumir no leito celeste.

Amado nevoeiro!
Escuto a sirene dos navios,
Vejo a dança do olho ciclope,
Cuja luz corta o manto níveo;
E os longos triângulos de vapor
Formados pelos faróis dos automóveis.
Arvoredos que nos pousam
Na Sintra Romântica
Ou em histórias de Dickens.

Algo de belo existe na aura de mistério
Que o nevoeiro traz,
Transformando as árvores em espectros
E fazendo-nos acreditar que nada é o que parece,
E o que vêem, realmente, os nossos olhos,
Senão a mais pura Incerteza?

(©Vera de Vilhena, inédito, pré-publicação - "Fora do Mundo", Poética Edições)



domingo, 23 de novembro de 2014

Nature boy

Fechem os olhos, ponham o som alto, descolem os pés do chão, flutuando, na companhia desta versão de "Nature Boy", interpretada por Jason Gould...filho de Barbra Streisand. Bentitos genes. E muito bom gosto no arranjo. Obrigada, Rita! :-) E dedico ao meu filho Hugo, que hoje, precisamente à 1.15 da manhã, em que publico este post........nascia, faz 19 anos, para dar um novo sentido ao meu existir neste mundo.

sábado, 22 de novembro de 2014

Carruagem 22 (III de III)

E eis que regresso da minha segunda ida ao bar. A mãe da revista Maria e o rapaz da camisola branca estão de saída.  Há agora dois lugares vazios. Bebi um café e comi um Kitkat, apesar de serem oito e meia. Um gesto de puro tédio, ingerir um chocolate de qualidade duvidosa e bolacha de baunilha, e até isto, de estar aqui a descrever um chocolate de bomba de gasolina. 
O revisor veio perguntar-me se sou a Vera de Vilhena. Cairia no ridículo de me supor famosa, não fosse eu saber que os tempos são outros e que tudo é agora informatizado e muito sofisticado, a julgar pelo aparelho que o homem segura. Era para confirmar, uma vez que a reserva e a compra do bilhete foram tratados via electrónica, pelo Colégio Internacional de Vilamoura, que pagou as minhas despesas de transporte e alojamento, fazendo-me sentir, pela primeira vez, uma escritora no mundo.
O senhor despede-se com um sorriso e segue rumo à carruagem 21. Sinto-me algo constrangida por saber que agora aquelas pessoas, que me rodeiam, sabem o meu nome. Assim, por uma coisa estúpida. Sinto-me nua e escondo-me novamente no meu caderno preto. 
Dois lugares à minha direita, a criança-bebé, que não dormiu ainda, está a perder a paciência. Chora. Refila. Esperneia, maltratando os dois assentos que ocupa, deitada. E eu invejo-a por não poder espernear assim, com umas galochas cor-de-rosa e uns collants brancos quentinhos. A mãe tem piedade de nós e retira da mochila sem fundo, da Minnie, um objecto com poderes mágicos: uma chucha. Pronto, vá, toma. Adiamos, por agora, o ó-ó sem chucha. Cresces só amanhã. A bebé agradece e fecha os olhos, enfim. 
FIM

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Carruagem 22 - (II de III)



Se me erguer do assento e caminhar até ao bar, que fica próximo da carruagem 22, como mais uns minutos ao tempo e aproveito para espreitar a minha mala, o meu guarda-chuva novo encarnado e os meus ramos de flores.
Está tudo em ordem.
A senhora à minha frente, que começou por ler a revista "Maria", já passou às confidências com a mulher que lhe fica na diagonal. Todos ficámos a saber que...
- Antes tinha ideias de ter mais filhos, mas depois mudei de ideias.
O filho único, vestido com uma camisola branca e sentado dois lugares à sua esquerda, do outro lado do corredor, fixa, apático, o ecrã do telemóvel. E eu espero que ele não a tenha escutado.
O homem que ouve música com in-ears, desde que se sentou, olha de vez em quando para mim agora, provavelmente intrigado, perguntando-se, Que raio terá ela tanto para escrever.
Estou quase a levantar-me, já não aguento. E continuo sem fome. Alguma coisa terei de consumir no bar, só para disfarce. Para consumir o tempo. Para justificar a minha presença ali.
Um desespero patético que nos obriga a gestos sem sentido. Tornamo-nos mentirosos no tédio. Inventando gestos, coçando-nos onde não sentimos comichão; penteando uma madeixa de cabelo que não estava fora do lugar; lendo sem reter o texto, preenchendo páginas de um caderno, para que a mão se convença de que os dedos, que seguram a caneta, têm algo a dizer; sorrindo para as crianças sem que o carinho seja verdadeiro, já que o seu jeito frenético há muito nos cansa.
Somos mentirosos no tédio.

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Carruagem 22 (I de III)



Carruagem 22. Lugar 47. De regresso do Algarve.
De volta ao meu assento, depois de uma sanduiche americana e de um chá preto no bar. As sete pessoas que deixara, encerradas em mutismo, estavam agora em amena cavaqueira, salvo os dois homens junto à janela. As mulheres-mãe, acompanhadas pelos filhos, já conversavam; os meninos trocavam agora brinquedos e guloseimas
- Então? Não ofereces um à menina?
Pergunto-me se é apenas simpatia, ou também uma forma de encurtar a viagem. Conversam como velhas amigas, sabendo que jamais tornarão a encontrar-se. São quase oito horas da noite e falta ainda uma hora de viagem.
Dormir é impossível.
Não me apetece entrar na conversa de chacha das duas mulheres. Resguardando-me n'A Ana de Londres, da Cristina Carvalho, chego à parte em que a acção decorre em Ribamar, uma aldeia que poucos conhecem, tão perto da minha casa. A autora tem casa perto de mim, somos quase vizinhas, cúmplices. Claro que a luz não ajuda à leitura. Dificilmente encontro a luz ideal para ler. Invejo os jovens que podem anular a viagem com os seus portáteis, neste comboio Intercidades com Internet wireless: fogem para dentro do computador, evadindo-se destas horas de espera.
Para as crianças também é fácil, se tiverem mães previdentes. Com elas trazem uma parafernália de brinquedos e comportam-se, imagino, como se estivessem em casa; expondo, sobre a pequena mesa de fórmica, peças de puzzle, livros, Barbies louras e um rol de outros brinquedos, que não páram de sair das mochilas da Minnie e do Winnie de Pooh.
Estou a levantar-me de novo não tarda. Não porque tenha fome; mas o homem acaba de anunciar que estamos a chegar a Grândola e eu desespero. O tempo desliza, sem passar nos carris. Longe, ainda. Tão longe de casa...

terça-feira, 18 de novembro de 2014

O quarto. Limpo.

O primeiro, em edição de autor.
O segundo, com investimento, ao fim de duas falsas partidas e seis longos anos.
O terceiro, porque ganhei um prémio e ainda assim foi um parto difícil, quase que não nascia.
O quarto. Limpo.
O meu quarto livro, enfim, foi um parto simples e bonito.
Obrigada, Poética Edições e Virgínia, por editarem poesia e pertencerem aos pequeninos.que são, tantas vezes, os maiores.
Aqui está ele, a ser lançado no dia 29 deste mês.
Obrigada, Vanessa, pelas ilustrações que decoram este meu quarto.

domingo, 9 de novembro de 2014

Assédio

Ontem vi este filme pela primeira vez. Muito bom. Um caso verídico (anos 70) que chegou aos tribunais, fez História e contribuiu para a defesa dos direitos das mulheres face ao assédio sexual no local de trabalho. Excelentes interpretações. Um filme incómodo e comovente. Aconselho. Está a passar esta semana na Meobox (Hollywood ou FoxMovies, um deles).

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Ana Margarida de Carvalho

O livro 'Que Importa a Fúria do Mar', de Ana Margarida de Carvalho, é o vencedor do Grande Prémio de Romance e Novela, da Associação Portuguesa de Escritores, anunciou hoje esta instituição.
Dos 107 livros admitidos ao concurso, o júri deliberou, "por unanimidade", atribuir o Grande Prémio, no valor de 15.000 euros, ao romance de estreia de Ana Margarida de Carvalho, que já tinha sido finalista do Prémio LeYa e é igualmente finalista do Prémio Fernando Namora, cujo vencedor deve ser conhecido esta semana.
O júri foi constituído por José Correia Tavares, que presidiu, os catedráticos Annabela Rita, Teresa Carvalho e José Manuel de Vasconcelos, e os escritores Cândido Oliveira Martins e Vergílio Alberto Vieira. O júri reuniu-se hoje pela terceira vez, segundo o mesmo comunicado.
A narrativa da obra tem início numa madrugada de 1934, quando ainda se ouvem os ecos da revolta Operária da Marinha Grande, segundo a apresentação da Teorema, que publicou o romance no ano passado.
Para esta editora, "Que Importa a Fúria do Mar" é um romance "com uma maturidade literária invulgar que coloca, frente a frente, duas gerações de um Portugal onde, às vezes, parece que pouco mudou". "Brilhante no desenho dos protagonistas e recorrendo a um estilo tão depressa lírico como despojado".
Ana Margarida de Carvalho nasceu em Lisboa, é licenciada em Direito, é jornalista na revista Visão, tendo recebido "sete dos mais prestigiados prémios do jornalismo português, entre os quais o Prémio Gazeta Revelação do Clube de Jornalistas de Lisboa, do Clube dos Jornalistas do Porto e o da Casa da Imprensa", segundo comunicado da APE.
Fez parte da redação da SIC e publicou artigos nas revistas Ler e Marie Claire e no Jornal de Letras, Artes & Ideias.
Atualmente, na Visão, desempenha funções de Grande Repórter e faz crítica cinematográfica no roteiro e no sítio na Internet de cinema oficial da revista Final Cut.
Ana Margarida de Carvalho lecionou vários "workshops" de escrita criativa, e é autora de reportagens reunidas em coletâneas, de crónicas, de guiões de cinema e autora de uma peça de teatro.
Os 107 livros admitidos a concurso formam o segundo volume mais elevado de sempre, de obras a avaliar, em 32 anos de atribuição do galardão. Dos candidatos, 72 eram homens e 32 mulheres, havendo três autores, com dois livros cada, tendo-se registado 54 chancelas editorais. "Um recorde absoluto", segundo o comunicado da APE.
Nas suas 32 edições, o Grande Prémio de Romance e Novela da APE, já foi entregue a 28 autores, de 18 editoras, havendo apenas quatro escritores que bisaram: Vergílio Ferreira, António Lobo Antunes, Agustina Bessa-Luís e Maria Gabriela Llansol.
O Grande Prémio é patrocinado pela Direcção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas, Câmara Municipal de Grândola, Fundação Calouste Gulbenkian, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Instituto Camões e Sociedade Portuguesa de Autores.
)Agênca LUSA)

domingo, 2 de novembro de 2014

Calosotomia


Hoje aprendi algo bizarro que condiz com o Halloween e o Dia dos Mortos...
A calosotomia, é resultante de um paciente ter tido os hemisférios esquerdo e direito separados (derivado a uma cirurgia para tratar casos graves de epilepsia, ou devido a traumatismos ou derrames)

Uma das consequências mais dramáticas da calosotomia é  o síndrome da mão alheia - uma das mãos "ganha vontade própria" (em geral a esquerda) após a cirurgia e opõe-se ao que o paciente deseja, desfazendo o que a mão direita faz (conflito intermanual). Por exemplo, tarefas como abrir uma porta com a mão direita é desfeita pela esquerda. Ao vestir-se, a mão esquerda pode opor-se, e luta para tirar a roupa que a mão direita, por sua vez, tenta vestir. 
Noutro caso, a mão esquerda (hemisfério direito) de um paciente preferia alimentos diferentes e até mesmo programas de televisão diferentes, intervindo contra a vontade expressa pelas acções da mão direita que é verbalizada pelo paciente. Há ainda o caso de um paciente cuja mão esquerda se opunha sempre que o paciente tentava acender um cigarro e fumar: a mão esquerda frequentemente arrancava o cigarro ou o esqueiro e atirava-os para longe. (ahaha, esta adoro).
Outro caso relatado é a de um paciente cuja mão estranha apalpava o seio de todas as mulheres que se aproximavam dele, provocando um grande contrangimento para ele.
Só me lembro da personagem "The Thing", da Família Adams...
(informação retirada da Wikipedia, texto adaptado)

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Simplicidade

"A simplicidade é a consequência natural da elevação dos sentimentos."
Jean le Rond d' Alembert
(Paris, 16.11.1717 – Paris, 29.10.1783)

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

O velório do Manel

Ninguém tira selfies em velórios ou enterros. Se não envolver figuras públicas, se a morte pertencer a um simpático anónimo, não se transforma num evento, digno de partilhar nas revistas e redes sociais. Não, ninguém tira selfies na presença da morte. Ninguém quer recordar a hora do último adeus.  

Hoje assisti a um velório que me fez sentir como se tivesse sido lançada para um qualquer filme americano. Assim que chegámos, perguntaram-me:
- Meu amor, queres beber o quê? E só então reparei que, enquanto o morto aguardava na capela, cá fora, nesta noite espantosa de verão em pleno Outono, tinha sido improvisado um bar, à roda do tronco de uma grande árvore e todos bebiam, riam e conversavam. A viúva era a que falava mais alto, a que fazia as honras, como se recebesse os convidados na sua casa. Apressei-me a guardar na carteira a minha expressão triste, que não tinha lugar ali. Depois de me servir a bebida, a Maria disse, com ar sério:
- São 5 euros. 
E eu já ia tirar a nota da carteira onde guardara a expressão triste, juro, mas não, era uma piada, como se, no lugar dela, estivesse o Manel, a servir-nos copos no Cascais Jazz Club. Como sempre fazia.
Depois de um copo de vinho tinto (que se revelou um gin tónico, mas não tive coragem de dizer uma palavra e emborquei o gin), entrámos na capela. O Nanã retirou o saxofone tenor do saco. A Margarida cantava um tema de blues, maravilhosamente, acompanhada pelo Fidu. Chegou o Jean-Marc, com o trompete, e juntou-se-lhes. Por fim, o Zeca Neves, a tocar no contrabaixo que o Paulo Neves deixara na capela nessa tarde. A Maria Viana cantou, despedindo-se do seu Manel, depois de desanuviar o ambiente, enxotar a tristeza dos nossos olhos fúnebres, com a piada:
- Então, vens tocar ao vivo? Ou melhor, ao morto?
E eles tocaram. E cantaram. E nós batemos palmas ao fim de cada solo e no final de cada tema, como se estivéssemos no clube. Quase aposto que houve momentos em que o caixão foi esquecido, porque a música soou mais alto do que a morte que ali estava, em silêncio.
Ao meu lado, havia uma mesa longa com bolinhos caseiros e termos de café. Lá fora, o álcool continuava a sair. A entrar no sangue. O serão terminou no café do outro lado da rua, com mais copos, brindes à saúde do Manel e partilha de histórias.
No regresso a casa, ao pararmos na bomba de gasolina para pormos gasóleo, a menina que atendia, em horário nocturno, lançava aviões de papel: dentro do carro, pude vê-la, do outro lado do longo vidro, atirando os aviõezinhos não sei a quem, se miúdo se graúdo. Foi uma noite surrealista? Foi. Às vezes o surrealismo é bem mais simpático do que a realidade. É preciso retirar a poeira às convenções.
Aqui deixo um abraço solidário à Maria Viana, que hoje se tornou viúva. Que haja sempre boa música na sua vida. 

terça-feira, 21 de outubro de 2014

A espera no recolhimento

Estes dias não me apanharam fora de casa: foram feitos de leituras, de revisão de páginas e páginas e páginas, de agendamento de visitas a escolas, os livros, os autores, a escrita, esse namoro que é uma espiral sem fim.
As horas sucedem-se ao ritmo do melhor que os meus olhos e a concentração têm para dar. Este verão tardio olha-me, cheio de espanto, pelo desprezo a que o votei: nem um pé na água, nem um ombro nu, a aproveitar este calor em pleno Outono, as águas turquesas, o mar.  É assim, o corpo já desistiu, já fez a sua despedida, está pronto para a lareira, o vinho tinto, as castanhas, as leituras de inverno, o frio e o nevoeiro. Pensar no corpo agora é um desencontro. Já subi à minha árvore de folhas douradas, não quero saber de mim mas do vento, das folhas, das árvores nuas, da brisa morna que traz o inverno. Para me despir, só se as minhas vestes forem vegetais e o mar cinzento, num céu de cobre, sem turistas nem guarda-sóis. Novembro virá não tarda, trazendo morte e nascimento. Aguardo com o meu hálito de Outono, na mão a folha dourada, uma alcova a embalar um novo ser. É preciso ser mãe nas quatro estações, ainda que feita de promessas semi-cumpridas.

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Alice Vieira

Em jeito de votos de bom fim de semana, deixo-vos com um poema do novo livro de Alice Vieira. Desinteressadamente, escolhi este, dedicado ao lugar onde moro, pertinho, pelo menos...Da...
ERICEIRA
«vivi muitos anos frente ao mar

o sol chegava sempre muito tarde
qando as mulheres já tinham regressado a casa
para o almoço e os homens falavam de marés vivas no café central
sabíamos as horas pelo uivo do farol e
havia um amigo que nos dizia que
aquela praia não tinha banhistas mas
apenas devotos e outro
encharcava-se em wisky e escrevia
romances de anjos que às vezes
vinham de avião e caíam nas rochas
para nos salvar
às vezes os barcos não voltavam e as mulheres
acabavam por adormecer na areia esperando
milagres em que já tinham aprendido a
não acreditar
e os turistas sorriam muito e
tiravam muitas fotografias
e os jornais falavam de obras que
eram urgentes e ninguém fazia
as crianças lançavam estrelas de papel
que subiam mais alto no céu que as verdadeiras
e à noite ouviam histórias de marinheiros que
erravam pelo mundo e perguntavam que
faremos se alguma noite nos baterem à porta
pedindo para entrar
mas como caíam de sono nunca
ouviam a resposta que ninguém tinha
para lhes dar
foi pela coragem desse tempo que
jurei sempre
mesmo agora em que te espero como a
um barco desaparecido embora
já nada tenha para te dar e nada
reste de mim nem da praia nem da casa
esquecida ao longe com o nevoeiro
o farol os naufrágios os marinheiros errantes
nesta fotografia a preto e branco onde me vejo
pés enterrados na areia da vazante
o meu corpo embalando o sono de 
uma criança morta
eu
há tantos anos
eu sem pensar em nada»

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Anjos

Não sei quem é o autor desta belíssima ilustração, mas tenho pena. 
Dedico este anjo à Vanessa e à Virgínia. 
Elas sabem porquê. :-)


quarta-feira, 15 de outubro de 2014

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

O teu silêncio

O teu silêncio

Uma taça onde cabem todas as palavras
que não dizes.
Nela guardas a muda censura,
A dizer o pardo infinito,
Pleno de abstracta incerteza
Tanta, que não cabe na minha mão.

De repente, falas,
E cospes e gritas.
E na tua voz se quebra
o consolo do mutismo
Onde tudo podia ser, 
Até as palavras mais doces.

E o silêncio, que era pardacento,
A abreviar as nossas mágoas,
Sem nome nem lembrança,
É agora raiva escarlate,
Embutida nos teus vocábulos.

Foi-se o silêncio.

E quando regressa

é tarde:

Na taça de ambos

Apenas cabe o arrependimento.

sábado, 11 de outubro de 2014

Carta da montanha


                                                                    © Nanã Sousa Dias
                                                                                   
De olhos cerrados, o frio lambendo-me a pele
Escuto apenas o som sibilino do vento
na carta derramei um socorro, aliado
O milhafre prendeu as minhas lágrimas
Em garras furtivas, na plumagem negra de negro destino
como a flor de Oscar Wilde, o rouxinol
oferece o tom escarlate à rosa injuriada

No peito guardo a esperança vestida
Com o adejar da minha ave
a folha nívea embalada nas asas
sombrias de um amigo alado
com mil cuidados
se ergue no abismo do meu recolhimento

Quanto tempo terei de aguardar?

O azul que me envolve o peito é cortina de gaze
um véu sobre o outro e outro
e outro ainda
tal como a noite se veste de mil véus até se entrevar

O recorte do horizonte é linha serena
desde pequena que o vejo crescer
Flutuando no desejo, neblina de tantas auroras
e só agora me tento salvar.

O milhafre descola, enfim!
É tempo de espera. É tempo de esperança.
A brisa levanta os meus suspiros, feitos de asas e orações.
(© VERA DE VILHENA, poemas inéditos)

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Aventuras

Uma das maiores ironias da vida é que, se nos portarmos sempre bem e nunca quebrarmos as regras do bom-senso, pouco levamos desta vida para contar aos anjos...ou mesmo aos de cá, na terra, enquanto estamos vivos. A aventura começa precisamente aí: nas pequenas transgressões, ao passarmos para o Outro Lado do Espelho.
Dedico esta lição de vida a uma das pessoas que me ensinou isto: o meu tio Duarte: tio, tenho a certeza de que os anjos terão imenso prazer em ouvir as suas aventuras. E aqui fica um grande beijinho para o meu pai, que perdeu um irmão.
Tio Duarte com o meu irmão Eduardo, Murtal, 1963

terça-feira, 7 de outubro de 2014

passo a passo

Um passo diante do outro, a acompanhar o pulsar do sangue. Na estrada solitária apenas os ruídos da terra, o voo cruzado de um pássaro, o ladrar dos cães que guardam casas modestas, as hortas, os pomares, os galinheiros, como se fossem tesouros feitos de patos e couves e laranjas e abóboras e melões. A ansiedade dos meus dias vai-se evolando, levada pelas serpentinas de fumo das queimadas a que se entregam os homens, de mangas de camisa arregaçadas, a testa e o pescoço tisnados por tantos sóis: um perfume feito de verdores, ervas e folhagem carcomida pelos restos da estação que terminou. É Outono, enfim. A brisa ainda é morna e o céu, mesmo cinzento, oferece uma luz de líquido bronze, quebradiço como as folhas que fogem dos ramos, em busca de um novo horizonte, na esperança de reencarnar. Passo a passo.     

sábado, 4 de outubro de 2014

A fotografia

Eram ambos mestres no arte do fingimento. Enganavam até os amigos mais próximos. Ela segura a fotografia na mão, controlando a raiva que tem presa nos dedos, para não partir a moldura que os filhos deram. Ali estão eles, os pais, a sorrir. Longe, muito longe da felicidade. Ninguém diria. Ela sabe o segredo: tem um sorriso bonito e sorriu para a fotografia. Nessa tarde e em muitas outras tardes. 

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Dia Mundial da Música

Porque a música também é respiração e silêncio, ou inquietude, escolho estes dois temas de alguém que nos faz muita falta: Bernardo Sassetti.

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

só isto

Uma semana de silêncio? Ups. Pronto, já o quebrei. É só isto que tenho hoje.

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Na 5ª feira :-)

Esta quinta-feira, na Livraria Barata, lá estaremos, para o lançamento do Coisandês. Conto convosco!

domingo, 21 de setembro de 2014

Cães na tempestade

A insónia empurra-me o sono para o meio-dia
Uma lança de luz espreita da portada azul,
ferindo a penumbra do meu quarto;
Estalam trovões, um arrastar de mesas e cadeiras:
a empregada doméstica dos deuses, limpando o espaço divino,
a generosos baldes de água, lavando o céu e a terra,
trabalho celeste que não me deixa dormir.

E os cães.
Os cães que ladram, cuspindo a sua voz
para rasgar o medo em dois.
O som contínuo, das unhas na porta,
uiva deixa-me entrar!
É o bicho que teima em fugir
para o interior da toca de pedra:
feito para enfrentar lobos na serra
Guardar ovelhas no pasto
Nada quer com trovoadas.

E, no labirinto da minha vigília,
perdida numa vertigem de alamedas
que preenchem a fronteira entre dois mundos desisto.
A minha hora não se cumpre:
Abro a porta e recebo o aroma da terra morna,
O pivete do pelo molhado do animal
que entrou ele, o alívio e o dilúvio
Que misturo com os meus versos
e o ritmo acelerado do belo porte canino
que, arfando, parece dizer-me obrigada
por me salvares da tempestade.
(© VERA DE VILHENA, inéditos)

sábado, 20 de setembro de 2014

Azul-cobalto

© Nanã Sousa Dias
Azul-cobalto

Sobre a mesa o prato, o grão de pimenta
rosa, roçando a fibra
da toalha magenta;
A vidraça ampara a chuva escorrendo
e, no bordado de flores alfazema, acolho
a jarra de vinho - aconchego de um néctar 
de amoras a demorar-me na boca.

O céu saliva um doce lilás,
tecido em hortênsias das ilhas distantes:
é o mar, que me leva e enleva nas ondas de espuma
do sal de Setembro vestindo os rochedos.

Será fome? Será medo?
A dentada da chuva, lambendo a estação
como quem diz adeus.
nos olhos agarro o meu horizonte
de azul cobalto - mar alto no peito 
se bem que, a meu jeito,
sou a beira-mar.

© VERA DE VILHENA, poemas inéditos, Setembro 2014