quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Balzac (1799-1850)

Depois da euforia natalícia, os dias tornaram a ser vulgares. Para sair da minha vulgaridade, descubro a vida e a obra de Honoré de Balzac. 
Escreveu mais de uma centena de obras, muitas delas menores, assinadas com pseudónimo, para ganhar dinheiro e pagar dívidas. Aos 27 anos já tinha escrito nove romances. Só a colecção "A Comédia Humana" inclui 95 obras acabadas e outras 48 que não chegou a terminar. Entre outros géneros escreveu peças de teatro, novelas, contos, panfletos e tratados filosóficos. Isto só assim, para vos dar um aperitivo.
De origens modestas, foi desprezado e entregue a uma ama. Na sua primeira infãncia, esteve quatro anos sem ver a família, a favor do seu irmão mais novo, filho ilegítimo do amante da mãe (é preciso ver que a senhora fora dada em casamento aos 21 anos com um velho de mais de cinquenta, como paga de negócios e que por isso nunca foi capaz de amar o marido ou de lhe ser fiel).
Mais tarde, à excepção da sua progenitora, burguesa com negócios mercenários, que lhe emprestava dinheiro à distância (sim, emprestava, o filho chegou a dever-lhe 50 mil francos!) teve pouco ou nenhum apoio da família. O pai mandou-o para um colégio interno bastante austero e rigoroso onde Balzac, com uma mesada ridícula (que mais tarde o pai cortou), passava vergonhas junto dos colegas mais abastados. Era mau aluno, indisciplinado, e mandavam-no frequentemente para uma masmorra, de castigo. Foi aí que aproveitou para ler tudo o que apanhava pela frente, até dicionários, que lia com gosto, à falta de outros livros. Chegou a ser enviado para casa num estado de quase coma. Ao vê-lo, uma parente comentou: "é neste estado que nos devolvem um rapaz tão bonito!".
Só uma das irmãs acreditou desde cedo no seu talento e no sonho em tornar-se escritor e lhe desejou muito sucesso, na sua vida na capital. Mas no fim da sua adolescência o pai pô-lo no mercado de trabalho. Depois de Honoré ficar farto de leis ao trabalhar como estagiário numa sociedade de advogados através de um amigo do pai, ao longo de três anos, recusou sociedade e mudou-se para umas águas-furtadas em Paris, verdadeiramente espartanas, a viver com quase nada e onde apenas contou com o auxílio de uma senhora idosa. No romance "O Notário", escreveu sobre um rapaz obrigado a lidar com "as rodas oleosas de cada fortuna, a disputa horrenda de herdeiros sob corpos ainda não totalmente frios, e o coração humano às voltas com o Código Penal.". Confessa que ali seria "como todos os outros, vivendo com fome num lugar onde nada lhe davam para satisfazer o seu apetite."
Tinha vinte anos quando confessou essa sua frustração e a intenção de se tornar escritor, pois desesperava-o a ideia de ser "um funcionário, uma máquina, um mercenário numa escola de equitação, comendo e bebendo e dormindo em horários fixos."
Aos vinte e dois anos conseguiu publicar alguns contos, com a ajuda de um amigo. Ao fim de várias obras mediocres, com os cobradores à porta e os editores à perna, Balzac trabalhava uma média de vinte horas por dia (!) e ainda assim arranjou maneira de serem consideradas obras-primas por alguns críticos. Quando mais tarde descobriu o projecto colossal d "A Comédia Humana", entrou pela casa da irmã adentro a dizer "estou prestes a tornar-me num génio!"...e tinha razão. Assumiu as obras que escrevera anteriormente e começou a assinar como "Honoré de Balzac", até para dar um ar mais aristocrático ao seu nome e esconder as origens modestas. Tornou-se mestre na análise das classes sociais, a construir personagens e a descrever ambientes e lugares, criando as famosas mulheres "balzaquianas" e influenciando autores como Flaubert, Proust, Zola, Italo Calvino, Dickens, Dostoievski, Henry James, Camilo Castelo Branco, Eça, Machado de Assis...chegava a dedicar-se quinze horas a um excerto, rabiscando sobre uma ardósia, escrevendo, apagando, rasurando, reescrevendo num estado quase febril, até ficar satisfeito com aquele pedaço de prosa, limpo, simplificado, puro.
Escreveu, viajou, gastou, esbanjou, sem nunca parar de escrever.
Na verdade era feio e gordo, mas viveu rodeado de mulheres que se apaixonavam por ele.  Quando a fortuna chegou, gastou-a numa vida viciosa e entregou-se a projectos que tinham como base boas ideias, que não conseguia levar a bom porto por não perceber nada de negócios (por exemplo, edições extremamente baratas, de papel de má qualidade, nomeadamente das obras compiladas de Molière; a exploração de minas de prata...que afinal não tinham prata; uma sociedade com uma amante numa impressora que lhe deixou dívidas tremendas, etc.).
Morreu aos 51 anos, pouco depois de ter finalmente contraído matrimónio com uma nobre polaca que amou e namorou durante dezoito anos por correspondência, e com quem fez longas viagens clandestinas, uma vez que a senhora era casada e só enviuvou e pôde casar com ele quando Honoré tinha cinco meses de vida.
Já não se ama assim. Já não há vidas nem homens destes. Já não se constrói uma obra literária assim, a escopro e martelo, ao longo de uns breves e admiráveis trinta anos de escrita.
Somos tão pequeninos.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Natal

AMOR
CONFORTO
SAÚDE
ALEGRIA
PAZ
ABUNDÂNCIA
SUCESSO
HARMONIA
BOA VONTADE
HUMOR
TERNURA
SABEDORIA
12 PRESENTES QUE PUS NO VOSSO SAPATINHO,
PARA QUE SEJAM FELIZES.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

lendo...

"Porque será que estamos condenados a ser assim tão solitários? Qual a razão de tudo isto? Há tanta, mas tanta gente neste mundo, todos à espera de qualquer coisa uns dos outros, e, contudo, todos irremediavelmente afastados. Porquê? Continuará a Terra a girar unicamente para alimentar a solidão dos homens?
Virei-me de costas sobre a laje de pedra, fitei o céu por cima de mim e pus-me a pensar na quantidade imensa de satélites que naquele preciso momento deviam girar à volta da Terra. No fio do horizonte era ainda possível distinguir uma réstia de luz, e as estrelas começavam a brilhar no céu de um profundo tom púrpura. Procurei com o olhar a luz de um satélite, mas havia demasiada claridade para distinguir fosse o que fosse a olho nú. As estrelas que estavam à vista permaneciam imóveis, cada uma no seu sítio, como se cravadas no céu. Fechei os olhos e prestei atenção para ver se conseguia ouvir os descendentes do Sputnik que continuavam a dar voltas à Terra, tendo como único elo de ligação ao planeta a gravidade. Solitários pedaços de metal que se encontram de repente nas trevas do espaço, cruzam-se no seu caminho e depois separam-se para sempre. Sem trocarem uma palavra, sem fazerem uma promessa."
(excerto de "Sputnik, meu amor", de HARUKI MURAKAMI, 2002)

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Charles Dickens

Vi este filme com o meu filho. Maravilhoso. Realizado por Robert Zemeckis, com 7 personagens interpretadas por Jim Carrey. Uma versão irresistível do conto "A Christmas Carol", com o melhor da tecnologia, para nos fazer sonhar.

Adeus, Outono

Por razão nenhuma de especial, tenho andado arredada da internet (emails, facebook, blogs, inclusive o meu). O espírito anda a pairar por outros cenários. Venho aqui mostrar estes cogumelos que fotografei há três dias, numa caminhada perto de casa: uma explosão dourada no meio da erva. Não resisti a esta despedida de mais um Outono.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Chiado

Na 2ª feira fui a Lisboa. Cada vez me sinto mais uma turista na cidade onde nasci. Já não me entendo a andar de Metro, é tudo muito moderno e sofisticado. Escolhi a zona do Chiado para fazer tempo até chegar a hora de assistir ao ensaio do meu filho na Big Band Junior do Hot Clube.
Souberam-me bem estas horas na cidade, apesar da confusão urbana e do que vou relatar a seguir: isolo-me demasiado no meu recanto bucólico e às tantas sinto falta das multidões, das caras estranhas, do Metro, das ruas e das luzes, das lojas, do ritmo.
Depois de um bom tempo na livraria da Fnac, de onde saí com uma lista de livros para incluir na carta ao Pai Natal, resolvi ir fazer um pouco de companhia ao Pessoa e lanchar n '"A Brasileira". Sentada na esplanada junto à estátua do poeta, fui abordada várias vezes por mendigos. No campo, onde vivo há quatro anos, não os há. Só nesse momento me apercebi de que já não faziam parte dos meus dias há muito tempo. Os pedintes habitam nas grandes cidades, onde a vida é mais cara e mais difícil, e onde há mais gente a quem pedir, o que não deixa de ser irónico. Uma mulher mostrava uma pobreza recente, acabada de estrear, ainda inconformada e espantada com a sua má sorte.
Os turistas marcaram também presença, sentando-se na cadeira de bronze, a eternizar o encontro anacrónico com o Pessoa.
Já não estou habituada aos preços inflacionados da capital. Estou acostumada a pagar entre 50 e 60 cêntimos por um café. Ali paguei 1,50: pedi um café curto com adoçante e veio um café cheio (e demorado...) com açúcar. Estou habituada a comer tostas mistas com pão saloio que custam cerca de 2 euros e chegam para duas pessoas ou quase. Ali paguei 3 euros e veio morna, atrasada e em pão de forma tipo Panrico. O chocolate quente veio morno. Mandei-o para trás, para que fizessem o grande favor de reaquecer. No total, desembolsei 7,25 euros por um péssimo serviço, já para não falar nos desgraçados dos pedintes que nos deixam constrangidos e cheios de sentimentos de culpa por estarmos ali, em pleno luxo, numa afronta à sua triste pobreza. O Pessoa não serviu para me tranquilizar, pelo contrário, honrou-me com o seu Desassossego. Depois de beber o meu café morno (o adoçante também chegou com atraso...), ergui-me e fui falar com a gerente, que nem de propósito...era brasileira. Desculpou-se, que eu tinha razão, que os rapazes (que eram 4, para 12 mesas pequenas...) não recebiam formação, blablabla.
A minha amiga Isabel é que tem razão: se o coitado do Pessoa pudesse, levantava-se e escolhia outro café.
A tradição já não é o que era, ou sou eu que estou a transformar-me num bicho do mato?

domingo, 12 de dezembro de 2010

Parabéns, Patrícia

Parabéns, querida amiga, pelos teus 40 anos. Estás longe, a 8 ou 9 horas de diferença no fuso horário, mas sempre no meu coração. Votos de uma celebração feliz.
Aqui estão os livros maravilhosos da Patrícia Reis, para quem não conhece. Todos com a chancela da Dom Quixote:

sábado, 11 de dezembro de 2010

sol portátil

- Soooool, que bom! Hoje está perfeito para passear! Praia, aqui vou eu!
Ao ler aquele comentário da amiga no facebook, ela afastou a cortina e confirmou o céu cinzento, a ameaçar chuva. Ora a amiga vivia perto, estava em casa. Teria ela um sol privativo? Portátil? Então pensou que bom seria, podermos transportar o sol assim, dentro de uma mala térmica, e lançá-lo bem alto para que ficasse suspenso no ar, formando uns quantos metros quadrados de verão sobre a nossa cabeça, como um pequeno oásis.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

A cobra

A mulher encontrou uma cobra na banheira e em vez de se assustar sorriu, cheia de paz e pensou que aquilo era um sinal de que já começava a mudar de pele.
Obrigada, P.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Livros Pedidos

O atelier 004 começou a fazer livros personalizados, a pedido. Excelente notícia! Elaboram livros para todas as ocasiões (namoro, casamento, divórcio, aniversário, baptizado...), com o selo de qualidade de quem edita a revista Egoísta há 10 anos.
Para mais informações, espreite o site:
http://livrospedidos.blogs.sapo.pt/ ou o twitter em egoista004

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Prémio Leya 2010

Devido a "limitações na composição narrativa e fragilidades estilísticas", o juri que compõe o Prémio Leya (no valor de 100 mil euros) presidido por Manuel Alegre decidiu, por unanimidade, não atribuir o prémio este ano. Foram 325 obras a concurso (!) - entre as quais inéditos de autores consagrados dos vários países lusófonos - e, ao que parece, nenhuma das quatro obras finalistas tinha qualidade suficiente...

Para mais informação, clique aqui

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Escrevendo...

"A relação compunha-se de rituais quase extremos, feitos de uma vontade de encontrarem um no outro todas as matérias de que eram feitos, como cães marcando território em busca de cada cheiro, cada substância, na apropriação total do corpo que era seu par. Num dia quedavam-se na casa de campo vestidos com pijamas de flanela, a lareira acesa, o esparguete à bolonhesa, o repouso da chama que o entendimento invadiu e serenou; noutro ele pedia que ela colocasse um vestido preto, umas meias de rede, os sapatos italianos de salto alto, e que saíssem juntos, belos os dois, de olhos provocadores, a quebrar a indolência incompreensível dos outros, a fim de inflamar o seu próprio desejo: Júlio retirava um prazer íntimo em sentá-la num lugar estratégico e sabê-la nua por baixo de vestido. Divertida, ela fazia o papel de Sharon Stone, cruzando e descruzando as pernas sedutoras enquanto participava numa conversa animada, trocando olhares cúmplices que só ele era capaz de decifrar. "
(excerto do livro que estou a terminar)

sábado, 27 de novembro de 2010

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

"A Fera na Selva"

Terminei hoje a leitura deste livro magistral, diferente de tudo o que li. Os temas da solidão, do amor, da morte, do desencontro, do não-viver tratados de forma sensível e inteligente. No fim, fica a emoção e um novo olhar sobre o mundo. O nosso universo interior modificado para sempre.
Obrigada, P., pelo prefácio que abre e fecha o livro (li-o antes e depois) com chave de ouro. Tradução belíssima de Ana Maria Pereirinha Pires. Um livro pequenino., 4.95 euros, edições Quidnovi, uma sugestão a reter, um pequeno tesouro.

"Branca como cera, com o rosto marcado por rugas tão finas, que poderiam ter sido traçadas com uma agulha, um vestido branco e suave animado apenas por um lenço de um verde pálido, com uma tonalidade delicada que os anos haviam tornado ainda mais inefável, ela era o retrato de uma esfinge serena e requintada mas impenetrável, cuja cabeça, ou antes, toda a figura,  houvesse sido polvilhada com prata. Era uma esfinge, mas com as suas pétalas brancas e frondes verdes poderia igualmente ser um lírio - um lírio artificial, magnificamente imitado e cuidadosamente mantido numa redoma de vidro, sem pó nem mácula, embora não isento de um certo desfalecimento e de um complexo de delicados vincos.  Aquela casa sempre estivera numa ordem perfeita e num estado de limpeza imaculado.  Contudo, parecia agora a Marcher que tudo fora tratado, dobrado, arrumado e definitivamente guardado para que ela pudesse apenas sentar-se ali com as mãos no regaço sem ter mais nada que fazer. Ela já estava "fora daqui"; a sua missão terminara - comunicava com ele como se estivesse do outro lado de um abismo, ou a partir de uma ilha de repouso que já alcançara, o que o fazia sentir estranhamente abandonado."
(HENRY JAMES, in "A Fera na Selva", 1903)

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Juntos

Faz hoje 15 anos que o meu filho nasceu. Hei-de vê-lo sempre assim, mimoso, agarrado aos meus braços. Não tão sério como o olhar que dedicámos neste dia à câmara, tinha ele apenas 6 anos, mas com dias cheios de riso e disparate, de raspanetes, de fornadas de biscoitos, de lambidelas na colher de pau a apanhar o resto da mousse, de livro na mão a perguntar o significado de uma palavra, deitado no chão da cozinha, atacado pelos cães que querem matar de uma vez as saudades que têm dele, de mãos dadas na rua, enroscados no sofá, tapados com a manta, enquanto vemos televisão, a perguntar-me, Mãe, hoje já te disse que és a melhor mãe do mundo? E eu que não, mesmo que sim, só para ouvir outra vez e fazê-lo rir. Sim, toda a espécie de coraçõezinhos e pirosices, porque o amor de mãe é assim, piroso e tem de confessar-se e ser celebrado, senão transborda.
Foi há 15 anos e nove meses que comecei a viver a melhor coisa que me aconteceu. Parabéns, filhote.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Escrevendo...

"A chave entregue na D. Ermelinda, a porta fechada para sempre. As roupas nas gavetas, os frigoríficos e a despensa cheios, os brinquedos dos miúdos em suspenso, a cassete do Toy Story inserida no leitor de vídeo, os produtos nas casas de banho, os discos, os livros, os candeeiros, a grafonola comprada na loja de antiguidades, os móveis adquiridos em antiquários, a roupa de praia, a loiça, os vinhos na adega, tudo ficou. Lembrava a história dos três ursinhos e da menina dos caracóis de ouro, um dia alguém ia entrar e ver a sopa fumegante na mesa posta, as camas feitas, Alguém mexeu na minha sopa, alguém se deitou na minha cama. Como Pompeia, a casa ficara suspensa em lama e cinza, deixando os habitantes entregues à poeira e ao abandono do tempo, encurralada numa solidão húmida, com o fantasma das crianças rindo e correndo pela casa e no baloiço lá fora.

Durante três anos nenhum dos dois lá voltou. Sara porque à simples ideia de o fazer chorava, e Júlio por mero desapego, ou assim julgava ela."
(do livro em que estou a trabalhar)

domingo, 21 de novembro de 2010

Realidade

"A realidade é apenas uma ilusão, ainda que muito persistente."
(ALBERT EINSTEIN)

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Rui Veloso

Ontem, em concerto extra no Coliseu dos Recreios em Lisboa, também quase esgotado, para celebrar os 30 anos de carreira e os 20 sobre a gravação do álbum "Mingus e os Samurais", Rui Veloso deixou uma multidão de barriga cheia e a pedir mais, ao fim de 3 horas. Duas partes, duas bandas. Na primeira, tornámos a ouvi-lo com o Manel Paulo ao piano, o Nanã Sousa Dias no sax tenor, soprano e flauta, o Manuel Costa Reis na bateria, o Alexandre Manaia nos teclados, guitarra e vozes, enfim, a velha formação dos anos 80.
Na 2ª parte trouxe convidados e velhos amigos: Tim, Dany Silva, Tito Paris, João Gil, Jorge Palma, Mariza. O som e as luzes foram exemplares, nada falhou. E quando falhou e algo na parte técnica demorou uns segundos, o Rui, muito descontraído, fez-nos rir:
- Olha, faço um solinho! E deliciou-nos com um belíssimo solo de blues. Os coros masculinos, em ambas as bandas, soaram como gravados em estúdio. Como cantora, fiquei impressionada: Berg (guitarrista) e Paulo Ramos (que também tocou percussão) aconchegaram a voz do Rui e fizeram jus à alta qualidade dos arranjos harmónicos.
Um novo tema maravilhoso, à laia de guloseima: "Velhos no Jardim".
Novos arranjos, um desfile inacreditável de boas canções que não iremos esquecer. Não há carreira que se compare à deste senhor em Portugal. A sensibilidade e graça das letras inspiradas de Carlos Tê, quase na totalidade do seu extenso repertório, são impossíveis de dissociar do constante e merecido sucesso que o Rui tem tido ao longo destas três décadas. Seria impossível cantá-las todas, ainda assim, foram dois concertos com meia hora de intervalo, um esforço olímpico para um cantor, para mais, tendo em conta que tinha já feito o mesmo concerto na véspera! Quando se tornou evidente que ia terminar, o publicou vaiou e ele reagiu, bem disposto:
- Querem matar-me do coração?!
Algures, a meio da festa, um homem sai-se com um pedido desvairado que pôs o coliseu inteiro a rir:
- Ó Rui, faz-me um filho!
A bem dizer, filhos, já deixou muitos: várias dezenas de canções que fazem parte do nosso percurso musical, numa variedade de composição impressionante. Maravilhoso concerto, uma festa alegre, comovedora, excitante, onde tive a honra de participar de camarote.
No final, para nós, amigos do Rui, mulheres dos músicos, filhos, etc, houve convívio depois, com uma ceia privada servida no bar dos artistas. Cheguei a casa às 5h da manhã, cansada, feliz, com o coração cheio de melodias.
A foto acima foi tirada no estúdio cá de casa, pelo Nanã. Nesta sessão fui transformada em maquilhadora de urgência, pois como dizia o Nanã, Hás-de fazer melhor trabalho do que eu...
Digam-me se o nosso Rui não ficou lindo. Parabéns, amigo, por uma carreira sem igual.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

lendo...

"Não valeu a pena mudar de lugar, a prisão está em mim, em mim, em mim, em mim."
"Morar numa aldeia pequena onde todos se conhecem, perto de uma cidade grande, das vilas mais próximas, sufoca."
(ISABEL-VICTÓRIA DA MOTTA, in "Podes Imaginar as Saudades Que Tenho Tuas?", 2007)

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

"O Homem do Adeus"

"Figura incontornável da cidade de Lisboa, João Manuel Serra, o «Senhor do Adeus», faleceu ontem aos 80 anos. Todos os dias, passava horas a fio sob sol ou chuva vendo os carros que passavam e acenando aos condutores. Dizia que começou por brincadeira mas depressa percebeu que aquele trabalho deixava as pessoas mais felizes e quando lhe acenavam de volta, levava para casa um sorriso no rosto. O fadista Marco Rodrigues já lhe tinha prestado homenagem ao incluir o fado «O Homem do Saldanha» no seu mais recente álbum, «Tantas Lisboas», um dueto com Carlos do Carmo, com letra de Boss AC e música de Tiago Machado. Eis o videoclip de «O Homem do Saldanha»". Eu que não sou especial apreciadora de fado, achei este tema maravilhoso e as interpretações excelentes.
Roubei a pequena reportagem e o videoclip aqui

revelações

Textos escritos ao longo de anos - contos infantis, histórias soltas, contos para a adolescência, uma novela inacabada - jazem no fundo da gaveta, votados ao meu esquecimento. Soa a sirene, a anunciar o término do recolhimento obrigatório em tempo de guerra, uma guerra que nem guerra é, apenas marasmo, letargia. As minhas mãos querem agora retirá-los da gruta, libertá-los da poeira do tempo, puxar-lhes o lustro, como a maçãs vermelhas na bancada do mercado, para que se arrumem na montra natalícia, inéditos, carentes de atenções, prestando-se aos olhares perscrutadores de estranhos importantes. Respiro fundo e arregaço mangas, arrependida da minha preguiça de alicerces tão profundos e suicidas, que há muito esgravatam a terra deixando-me assim, desprevenida quando a oportunidade chega. Tenho uma árvore de raízes obstinadas para arrancar.
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terça-feira, 9 de novembro de 2010

Prémio Portugal Telecom de Literatura

Chico Buarque ganhou o Prémio Portugal Telecom de Literatura em Língua Portuguesa com o romance Leite Derramado. Segundo prémio para "Outra Vida", de Rodrigo Lacerda. Terceiro: "Lar", de Armando Freitas Filho.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Livro

Dediquei a manhã ao "Livro", de José Luís Peixoto. Não consegui pousá-lo sem o terminar. Maravilhoso. Obrigada, Manuela.

domingo, 7 de novembro de 2010

Prémio Jabuti 2010

O 1º Prémio Jabuti na categoria de Romance foi para o jornalista e escritor Edney Silvestre, com o livro "Se eu fechar os meus olhos agora" (editora Record, Brasil).
Em 2º lugar ficou Chico Buarque com "Leite Derramado".
Cá esperamos o lançamento deste primeiro romance cuja estreia foi tão feliz.
Para mais informações, clique aqui

sábado, 6 de novembro de 2010

A antena e o cão

Os técnicos da Meo vieram instalar-nos a box, em substituição da da Zon, cuja antena, espetada na parede lá fora, apontada a poente, iam aproveitar. O problema era o cão que, a ser preso por causa deles, ia ficar justamente no caminho da dita...e com mau feitio, pois não gosta de estar preso.
- oiça - disse eu para o que não queria entrar - já lhe disse que ele, agora que o seu colega está do lado de cá do muro, não morde. E eu estou aqui, ele assim não faz mal, está a ver? Se eu prendo o cão, é pior.
O outro já lhe fazia festas, mas o primeiro, o mais novo, está quieto: entrou, mas ficou cosido ao muro e não havia meio de passar pelo cão.
O mais velho, encantado, amigo de cães de todas as raças e tamanhos, perguntava:
- Ele é novito, não?
- Sim, tem um ano e meio.
O Gastão aspirava-lhe as calças, de cima a baixo, a tentar captar todos os índicios estranhos, odores de outros bichos, uma cadela, um gato e sabe-se lá mais o quê.
Ainda renitente, o mais novo insiste:
- Mas pode deixá-lo preso, se calhar nem temos de ir aí à antena, sabe?
Pois claro, estava-se mesmo a ver.
- Como é que o senhor quer chegar à antena sem ir à antena?
O colega mais destemido ria, a fazer festas ao animal, depois de colocar o escadote nos degraus de pedra.
É que o raio da corrente estava-lhes no caminho e era o mais novo que tinha agilidade para subir lá acima.
- Já lhe expliquei que o cão solto fica mais feliz, ele só quer cheirá-lo, eu estou aqui, não vê que ele está a arfar e a abanar o rabo?
- Ó Mário, descontrai, pá, pois se a senhora está a dizer que ele assim não morde...
O mais novo suspirou, resignou-se às snifadelas do serra da estrela de 50 quilos e lá confirmou que o cão só pretendia andar por ali numa de estou-te a ver, mas está-se bem.
Nem sei como o desgraçado conseguiu, mas em 10 minutos arrancou-me os 40 euros, o nº de contribuinte e as rubricas e deixou todos os canais perfeitamente sintonizados. A isto é que eu chamo eficiência.
Dos técnicos da Meo...e do cão. Eles levaram uma gorjeta, o cão levou um biscoito.
Imagem: Gastão, o cão.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

A mosca

Tenta concentrar-se no que está a  escrever, mas não consegue. Aquela mosca, que chegou há uns minutos, veio para ficar, instalando-se como uma amiga indesejada e inoportuna, daquelas que, por mais que enxotemos, acabam sempre por tornar a pousar na nossa vida: uma melga. Insiste em passar à sua frente, em colar as patas nojentas ao monitor, em aterrar em cima das palavras que ela já escreveu, esvoaçando nervosa, frenética, estúpida, confundindo-se com o cursor, confundindo-a. Pousa no teclado, na lâmpada do candeeiro, no "abat-jour", no F9, no "M", no Enter, no "Caps Lock". Ela suspende os indicadores e a raiva, para que a ideia não lhe fuja, o raciocínio não lhe escape. A mosca não quer saber, pousa-lhe nas costas da mão, no risco direito dos cabelos, no cheiro quente que exalam as raízes da sua cabeleira. A irritação provocada pela mosca que não sai, não há meio de sair. Ela apaga as luzes, abre a porta do escritório, acende as do corredor...e nada. Ao invés de sair, a mosca pára na escuridão, pois sabe que não pode voar às escuras e recusa-se a abandonar a sua missão: impedi-la de escrever.
Até que acontece. A mosca distrai-se, por fim. Talvez com uma qualquer frase a que achou graça, uma linha que a fez reflectir.
Então ela, que graças à raiva adquiriu o instinto de caça de um gato, num movimento impiedoso apanha o bicho desprevenido na tecla "X" - a tecla errada, minha amiga! - e zás! Ali fica, carregando com ódio no quadradinho minúsculo e cinzento, até a esmagar bem esmagada, assimxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx
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segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Halloween

O meu filho e a sua cara-metade, celebrando o Halloween. Qualquer coisa que eu escreva vai soar sentimentalóide. Por isso, não vou escrever mais nada, ok? Mas que são lindos, são.

domingo, 31 de outubro de 2010

Pó dos Livros

Eis um blog que sigo com alguma regularidade. A Pós dos Livros é uma livraria irresistível, localizada na Av. Marquês de Tomar, em Lisboa, curiosamente a algumas portas da casa onde vivi até aos dezoito anos. Vale a pena ir espreitando o blog, aliás, merecidamente premiado.
Para conhecer o blog da livraria, clicar aqui

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Gonçalo M. Tavares

"É importante uma pessoa não estar só dependente dos livros emocional, profissional ou financeiramente. O que eu quero é escrever sem ter de pensar nos outros e essa liberdade, se vivesse só dos livros, não seria tão fácil."

Jornal "I" - Os 25 mil euros do prémio (Saramago) também devem ter sido importantes.
GMT - "Na altura alguém me perguntou o que iria fazer com o dinheiro e respondi que iria comprar tempo. E é isso. Não sei se se nota muito, mas não tenho ambições materiais. Interessa-me é ter tempo para escrever – e o tempo é caríssimo."

(GONÇALO M. TAVARES em entrevista ao jornal "I", 26 Outubro 2010)

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Os Amadores

Assim passei, e muito bem, o meu serão. Obrigada, Pedro e João. Há filmes que vêm ao nosso encontro, na altura certa, como sinais fluorescentes que apontam para o que mais nos ocupa o espírito numa certa fase da vida. Este filme é uma boa surpresa até ao fim, divertindo-nos sem pudor e enternecendo-nos no final.
Para mais informação, ver aqui

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Insatisfeitos

Dedico este momento delicioso do Conan O' Brian Show aos insatisfeitos. Às vezes comportamo-nos, de facto, como: "a bunch of spoilled idiots". Enjoy.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Ilusões

Por vezes somos nós que inventamos as nossas próprias correntes, que nos iludimos com prisões que só existem enraizadas em velhos receios, no medo em tentar quando, em muitos casos, basta um pequeno esforço para conquistarmos a nossa liberdade. Pode ser um "sim!" em vez de um "...não."; pode ser um "basta!", em vez de um silêncio amargurado; olhar em frente e respirar fundo, em vez de suspirar e  remoer o passado; pode ser até uma questão de arregaçarmos as mangas, ao invés de metermos as mãos nos bolsos ou cruzarmos os braços; ir, em vez de ficar; dizer, em vez de calar; olhar para o outro e escutar, em vez de ouvirmos apenas a nossa própria voz; investir tempo nos outros, ajudar, ao invés da autocomiseração e da indiferença. E assim modificando os nossos gestos, pode até ser que os dias comecem a fluir a favor da corrente - não a que nos amarrava - mas a de um rio límpido e irrequieto, que sabe bem onde conduzir as suas águas, agora que fazemos parte da maré.

domingo, 24 de outubro de 2010

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Calhamaços

Hoje venho fazer a apologia dos calhamaços. Uma grande amiga devora-os com frequência e ao referir algumas obras de Alexandre Dumas, concluiu, e eu também, que são altamente recomendáveis nos tempos que correm.
É fundamental mergulharmos na ficção, quando a realidade é o que é. É preciso relembrar os heróis, os príncipes, os benfeitores, as fadas, os anjos, cavaleiros e feiticeiros. É urgente inspirarmo-nos em gestos heróicos e altruistas, nascidos da honra e dos bons princípios, se quisermos manter a nossa sanidade mental.
É que já não há heróis nem sherazades, e há muito que as princesas namoram artistas de circo e vestem calças de ganga; não há robin woods nem mosqueteiros, só piratas e vilões, e o mais próximo que temos de um Grilo Falante é o Medina Carreira... que, tal como o outro, chega a ser um bocado chato, de tanta razão que tem. E os soberanos, que vestem fatos Armani, há muito que taparam os ouvidos à consciência.
Leiam amigos, leiam - quanto maior for o calhamaço, melhor. Ao menos, enquanto enfiamos a cara num livro, não vemos a merda que nos rodeia.
Obrigada pelo mote, Patuska, salvaste-me o post de hoje.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Passatempo

Para quebrar a semana com um pequeno desafio, aqui vai este passatempo, para quem não conhece:
Se demorarem menos de 1 minuto a encontrar o homem no meio dos grãos de café, o lado direito do vosso cérebro está em forma, acima do normal;
Se demorarem mais de um minuto, encontram-se dentro dos parâmetros normais;
Se rondar os 3 minutos, ataquem na proteína, pois estão a precisar. Vá, sejam honestos e cronometrem. Obrigada, Ana Luísa.
Atenção...

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Nas palavras de Saramago

Foi lançado ontem, em Madrid, um novo livro sobre a vida, a obra e o homem, nas suas palavras, pois é "uma espécie de dicionário em três blocos" que compila declarações e entrevistas do Prémio Nobel da Literatura 1998", um catálogo de reflexões pessoais, literárias e ideológicas, que envolveu “um trabalho exaustivo de procurar na imprensa escrita entrevistas e declarações de Saramago efectuadas dos anos 70 do século passado a 2009”, segundo disse ao PÚBLICO Fernando Gomez Aguilera, responsável pela edição e a selecção de textos.
A edição portuguesa sairá pela Caminho, em Novembro.
(in "Jornal "PÚBLICO", 19 Outubro 2010)

sábado, 16 de outubro de 2010

Já a pensar no Natal

No âmbito do Festival de Jazz, inaugura hoje, às 18.00, a exposição "Maresias" de Nanã Sousa Dias, no Fórum do Seixal. A mostra de fotografia analógica, de médio e grande formato, estará patente e aberta ao público até dia 4 de Dezembro do ano corrente. Vale a pena vê-las ao vivo e investir nelas como um bom presente de Natal.
Preçário:
Edições limitadas a 25 unidades:
30x40 - 500 euros
40x50 - 800 euros.
Em edição aberta:
30x40cm e 30x30cm - 125 euros
Entregues com passe-partout e assinadas pelo autor.



quinta-feira, 14 de outubro de 2010

João Delgado Godinho

Uma grande amiga proporcionou-me uma tarde e noite bem passadas, por ocasião do lançamento do livro de um amigo comum. É bom conhecer almas novas, trocar sorrisos e abraços, conversar, saber de outras vidas, com um copo de porto numa mão e um livro de versos na outra. Obrigada, Rosarinho, por me raptares da minha toca, parabéns, João, por este livro tão sincero, aconchegado pelo amor e pelo mar.
Foi-se o momento, ficam os versos:

"Eu queria ter a certeza
De que o pensar me faz doente
Que é antinatural pensar
Queria olhar as coisas
E ver somente as coisas
Como os velhos da minha terra
Que vêem no mar só o mar.

Quando passo pelas montras da cidade
Olho para dentro como as crianças.
Desejo as coisas como elas.
Se forem bolos lambo os beiços.
Estou sempre à espera de uma senhora
Que baixando-se à minha altura de homem
Veja em mim um menino
E me compre um bolo.
Se isto acontecer algum dia
Hei-de sorrir como um menino
Hei-de agradecer com os olhos
Hei-de correr pelas ruas
Esquecido do meu bolo.

Eu queria pensar sem comparar...

Quando estiver cansado deito-me
Onde me apetece deitar."
(JOÃO DELGADO GODINHO, in "Em Solidão Cresce Este Mar Azul", Terramar, 2010)

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Alain de Botton

Já tive o privilégio de me corresponder com este senhor, autor de livros como "O Consolo da Filosofia" e "A Arte de Viajar". É um excelente comunicador e vale a pena escutá-lo no TED. Para quem preferir, abaixo do ecrã tem a opção de legendas em português.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Beberagens

Comecei o dia com chá Earl Grey, sumo de laranja e torradas com manteiga. As côdeas do pão caseiro para os cães, que se postam em sentido, cada um numa esquina da mesa, atentos a cada gesto, quase se esquecendo de respirar, de tão expectantes. E como, à custa de tanto referir este meu amado chá, me têm perguntado o que é isto, afinal, do earl grey, aproveito para partilhar o que sei: Charles Grey, 2º conde (Earl), foi primeiro ministro de Inglaterra, liberal, e popularizou-se também por ser o pioneiro na aromatização do chá preto com óleo de bergamota (sécs. XVIII/XIX). A bergamota, uma planta de flores muito aromáticas, dá um sabor a um perfume muito característicos que o tornam, a meu ver, num consolo para a alma.
Mas há outros, e logo eu havia de ter a sorte de os beber no mesmo dia: chocolate quente. Uns amigos tiveram a amabilidade de me oferecerem um conjunto italiano de embalagens individuais com preparados distintos: chocolate c/ whisky, c/ rum, avelã, laranja, merengue, café...são extremamente cremosos e maravilhosamente perfeitos para o outono.

De resto, leituras, livros, cães, livros, escritas, leituras, correspondência, livros, livros.
Roubei a imagem de Charles Grey aqui, se quiserem ficar a saber um pouco mais sobre o senhor.

domingo, 10 de outubro de 2010

Domingo, a chuva, os livros, o pão

O cão entrou-me no quarto a sapatear com as unhas no soalho de madeira. Oito da manhã, o sol lá fora, a querer despertar-me, puxar-me para fora dos lençois. Prendi-o no pátio com a corrente - ao cão, não ao sol, entenda-se - e, envergonhada, tornei a deitar-me. Acordei com sentimentos de culpa: tinha dormido de mais. O que significa dormir de mais? Descansar de mais? Talvez adormecer o corpo à força, dar-lhe um descanso que ele não quer nem pediu. Um excesso de generosidade para com esta coisa que nos sustenta o pensamento e os gestos.
Depois do pequeno-almoço, entreguei-me à leitura dos Ares Difíceis, de Almudena Grandes. O livro é gigantesco, a letra miúda, sinto-me num sonho-pesadelo, caminhando sem sair do lugar. Mas é bom, merece que eu insista em avançar. Prossigo lentamente, com os meus olhos frágeis, esforçados. Os cães a dormitar ao meu lado, o meu filho a ver Dexter no computador. A chuva lá fora. É isto, um Domingo, só pode ser. Tagliateli à bolonhesa para o almoço, com muito queijo parmesão ralado. Depois a leitura de um texto que ainda não é livro, mas será...e bom. Parece que ultimamente já quase só leio futuros-livros, ando nos bastidores da escrita. Privilégios do ócio. O sol regressa, a roupa vai secando no estendal, dengosa, sem vento, tão preguiçosa como eu. O céu ameaça novamente rebentar em choro. Retiro a roupa do estendal, mesmo a tempo. Regresso à leitura, o meu filho a estudar sax no quarto ao lado. Arrumar as coisas, atenção para não esquecer nada. Saímos, voltamos, compramos pão muito muito caseiro no "pão c/ chouriço e sem": três sem, por favor. Aldrabamos o jantar, apenas sopa e pão sem (chouriço), manteiga, fiambre, doces de figo  e de ameixa. Venho aqui escrever este texto, retomo a leitura do futuro-livro e deito-me na companhia de Carson McCullers, o livro que me serve de canção de embalar: "A Balada do Café Triste". Foi um bom Domingo.
Roubei a imagem aqui

sábado, 9 de outubro de 2010

Sensações

Ficar sem internet é como sair de casa sem telemóvel: nestes tempos modernos, essas ferramentas de comunicação com o mundo tornaram-se de tal forma parte de nós, que, sem elas, nos sentimos isolados, despidos, desamparados, como se tivessemos acostado a uma ilha deserta.
A linha telefónica regressou, depois do temporal que assolou esta terra e me deixou incomunicável. Pertenço ao mundo outra vez. Alívio. Vi o técnico empoleirado no poste telefónico, no meio da ventania, como quem olha o mastro de um navio abençoado que nos vem salvar.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Adele Enersen

Para todos os que valorizam a imaginação e a ternura: espreitem este blog e vejam o que uma mãe é capaz de fazer, quando a filha parte para o mundo dos sonhos.
Obrigada, Bé.
O Blog oficial aqui

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Amor

Para sorrir e aquecer os vossos corações, neste dia chuvoso. Obrigada, Teresa.

sábado, 2 de outubro de 2010

Ó Maria Helena

Estavam casados há tantos anos, que terminavam as frases um do outro ou já não precisavam de falar. Tudo fora dito entre eles. Amavam-se assim, naquele tédio tranquilo de barco bem ancorado no cais, que conhece o movimento de cada gaivota, o desenho de cada embarcação que chega ou parte, o ritmo das ondas e das marés junto ao molhe.
Quando contava uma história a terceiros, ele acabava sempre por perguntar à mulher sentada ao seu lado:
- Ó Maria Helena, onde é que foi que vimos aqueles golfinhos a cruzarem-se na proa...?
- Em Sesimbra, Henrique.
E virando-se para ela, poucos minutos depois, perguntava novamente:
- Ó Maria Helena, em que ano é que fomos naquelas férias à Toscânia...?
- Em 1992, Henrique.
E uma outra vez ainda se socorreu da memória da sua mulher:
- Ó Maria Helena, como é que se chamava aquele nosso amigo brasileiro do Algarve...?
- Valdemar, Henrique.
E ela, virando-se para nós, comentou, com ar resignado:
- Ele às vezes julga que eu sou o motor de busca do Google...

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Big Band Júnior

O meu filho estuda no Conservatório Nacional de Lisboa há quatro anos. Há uma semana fez uma audição pra integrar a nova Big Band Júnior do Hot Clube de Portugal...e entrou, claro. E se este é o post de hoje, é óbvio, e nem seria necessário dizer, que estou a rebentar de orgulho de mãe. Parabéns, filho, toca...a dar o teu melhor, sim?
Obrigada, Manuela, pela fotografia.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Marés

Maré cheia, maré vazia, quarto minguante, crescente, lua nova, lua cheia. A nossa vida já vem assim, bem traçada na respiração das marés, nas metamorfoses desse corpo de mulher celeste, na dança regular e ilusória do sol. Somos nós que dançamos, inconcientes desse lento carrossel que nos altera o humor, que faz oscilar as nossas vontades, que nos deixa lúcidos ou embriagados, que nos adormece ou inspira, ao sabor das estações e dos elementos, da chuva, do nevoeiro, da tempestade, dos aguaceiros, dos dias iluminados, das tardes ardentes, das noites amenas do estio mais generoso.
Os dias que temos dentro são feitos de matéria celeste, tecidos na inconstância constante da lua, no vaivém das marés, na coreografia do girassol que habita o telhado imenso do mundo; e tão verdadeiro é o ditado que diz, Não há mal eterno nem bem que não esmoreça, como isto, de sermos estrelas minúsculas cintilando hoje, invisíveis amanhã, quando nos oculta o manto da noite num céu vestido de nuvens. Brilhando ou não, existimos sempre, mesmo como estrelas cadentes, decadentes, ou exaustas, porque um novo dia puxa o lustro ao nosso corpo e faz-nos brilhar outra vez.

Imagem: Nanã Sousa Dias

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

De corpo inteiro

Às vezes estamos certos de que um pedaço de nós partiu para sempre e conformamo-nos, reinventando os dias, reconstruindo essa parte de nós, como a lagartixa que vê crescer uma nova cauda.
E quando essa nossa costela regressa sem aviso e se instala dentro do peito, endireitamos o porte, olhamos em frente, respiramos fundo e sentimos que é chegado o tempo de reaprendermos a viver com o corpo inteiro.

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sábado, 25 de setembro de 2010

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

excertos iluminados

"Tentava encontrar a menina que foi nas crianças que encontrava, para entender finalmente o que sucedeu, o que se passava durante todos aqueles anos em que parecia que nada se passava, que sentia ela exactamente quando tentava com todo o cuidado registar os seus próprios sentimentos, que é que se torceu, que é que se partiu, que é que se secou para sempre na sua vida, porque estava convencida de que aí, nesse escuro enigma que pulsava como um relógio desengonçado no pátio de trás da sua memória, dormia uma resposta que nunca conseguiria decifrar totalmente, uma fórmula simples para odiar de uma vez, para poder amar as suas próprias recordações."
(ALMUDENA GRANDES", in "Os Ares Difíceis", pág.50, 1ª edição, 2008)

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

livros velhos

Em casa de uma vizinha, defronte a uma pilha de livros velhos sem destino, escolhi alguns, como criança numa loja de doces. Exemplares de editoras há muito desaparecidas, a meia dúzia de tostões, muitos deles de folhas ainda fechadas, o que me fez estrear um abre-cartas de marfim que tinha sobre a secretária, e a que nem me ocorria dar uso.
"A Rua Principal", de Sinclair Lewis
"História de Uma Rapariga", de D.H. Lawrence
"A Mão Esquerda de Deus", de William E. Barrett
"O Inverno do Nosso Descontentamento", de John Steinbeck
"Gog", de Giovanni Papini
"Balada do Café Triste", de Carson McCullers
"Cadernos de Poesia" de Vinicius de Moraes
"Contos de Mistério Escolhidos por Alfred Hitchcock"
"Onde a Noite se Acaba", de José Rodrigues Miguéis
"Histórias Maravilhosas", de Selma Lagerlof
Uma edição maravilhosa do "Conde de Monte Cristo", de Alexandre Dumas, repleta de ilustrações ao longo dos vários volumes...
..e muitos outros.
Ao ler "Os Filhos das Trevas", de Morris West, folheando as páginas amarelecidas por tantos invernos, torno a sentir o cheiro que me transporta à infância passada em Sesimbra: um aroma indefinido a humidade antiga e papel velho que tinham as minhas leituras de então: Condessa de Ségur, Mark Twain, Jack London, Jorge Amado...amados livros, que nos acompanham numa fidelidade canina, silenciosa, abrindo dentro de nós janelas para outros mundos, por vezes, até, percorrendo a nossa própria memória adormecida.

domingo, 19 de setembro de 2010

Segredos

"No essencial, um segredo é mais ou menos como a combinação de um cofre, embora não tenhamos conhecimento dela sabemos que se compõe de seis dígitos, que é possível até que se repita algum ou alguns deles, e que por muito numerosas que sejam as sequências possíveis, não são infinitas. Como em todas as coisas da vida é uma questão de tempo e de paciência, uma palavra aqui, outra palavra acolá, um subentendido, uma troca de olhares, um súbito silêncio, pequenas gretas dispersas que se vão abrindo no muro, a arte do devassador está em saber aproximá-las, em eliminar as arestas que as separam, chegará sempre o momento em que nos perguntaremos se o sonho, a ambição, a esperança secreta dos segredos não serão, afinal, a possibilidade, ainda que vaga, ainda que longínqua, de deixarem de o ser."
(Excerto de "A Caverna", de JOSÉ SARAMAGO)

sábado, 18 de setembro de 2010

Nostalgias

Hora do lanche: deitada sobre o tapete, com uma caneca de leite com chocolate e uma pilha de bolachas com doce, coladas aos pares. O mundo era justo, os finais sempre felizes. Que saudades da inconsciência.